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domingo, março 30, 2008

BABINE (ART'IMAGEM) FOI SUCESSO NO BRASIL



BABINE, O PARVO, espectáculo do ART'IMAGEM, foi ao Brasil. Inserimos aqui, com imensa satisfação, a crítica da revista BACANTE.

Babine, o parvo por Juliene Codognotto

Hoje fui parvo, amanhã serei também.
Fileira G 29, lugar central no auditório do Memorial da América Latina. Dali dava pra ver perfeitamente os efeitos de iluminação e projeção criados pela Cia. O Teatro Art’Imagem. Perdiam-se, é claro, os detalhes da expressão facial dos atores, mas como a montagem de Babine, o parvo tem o foco num teatro físico em que o corpo todo envia informações, vale a pena preterir a face de cada um em função da imagem formada pelo conjunto dos atores. Outra vantagem de dividir a peça com muitos espectadores e estar distante do elenco é que você pode comer bolacha de chocolate à vontade e até dormir que nenhum ator vai nem perceber, nem te olhar com cara feia, nem entrar em depressão – coisa rara no teatro.
A bolacha de chocolate também não foi capaz de chamar a atenção por outras razões que não a distância do palco. Houve quem chamasse mais atenção, a saber: um cinegrafista não-autorizado que apareceu no cantinho do palco quando filmava a partir da coxia e quase derrubou um dos atores (dizem que o diretor portuga ficou putão); a senhora na minha frente que tinha extrema necessidade de expressar-se com “a coitado!” ou “olha o figura aí de novo” de tempos em tempos; e, como sempre, o menu do DVD, ali no cantinho, como quem não quer nada, atrapalhando a projeção.
Em meio a tudo isso, um personagem muito fofo e caricato consegue ganhar os olhares apesar de tudo. Ele é o tal do “figura” a que a senhora se referia. Ele é o tal do parvo a que o título se refere. Babine, emprestado de um conto de Leon Tolstói, é sistematicamente enganado pela família (mãe, esposa e irmã). Interpretando mal os conselhos da irmã, acaba sempre se metendo em confusões, sempre estendido no chão “mais morto do que vivo”, simplesmente porque usa as palavras certas nos momentos errados.
A encenação conta com duas projeções alternadas – uma de lugares na Rússia pelos quais o parvo passa, outra de quadros de Chagall, Kandinsky e Malevich – cada uma com efeito específico, mas ambas dialogando com o que acontece em cena e ajudando a compor o cenário. Nada daquela história de uma imagenzinha projetada lá distante numa paredezinha fria só pro grupo dizer que usa tecnologia. Aqui a tecnologia ajuda a nos transportar para um outro país – a Rússia – e, ainda, para um outro universo – o da fábula, da fantasia.

Cada aventura de Babine tem a estrutura narrativa idêntica, como uma espécie de gag de palhaço cuja graça está justamente na quebra da lógica construída pela repetição exaustiva. No entanto, a impressão que fica é que, mesmo tendo descoberto a armação e tendo conseguido sair da posição do parvo que apanha, ele não deixa de ser parvo, somente passa a ser aquele que bate. Uma contradição que fica aberta apesar da frase direta do protagonista: ontem fui parvo, hoje não sou mais”, em oposição ao que ele dizia anteriormente; “hoje fui parvo, amanhã não serei mais” e que sempre dava errado.
Finalmente, cabe destacar que o grupo – que, a propósito estréia três espetáculos anualmente segundo o programa da peça – encontrou tempo e energia para fazer uma pesquisa aprofundada do gestual, do figurino e da língua russa. Muitas das músicas e dos versos são ditos em português e em seguida em russo, evitando a perda da sonoridade original do conto. E maior diferencial: saber desconstruir a própria pesquisa e rir dela. Os atores iniciam o espetáculo sem o figurino, batendo um papo no meio da platéia e zuando a personagem que sabe tudo de Tolstói e que, portanto, simboliza a pesquisa que eles realizaram. Uma solução que aproxima os atores do público e funciona muito bem. Até porque rir de si mesmo é sempre uma boa, principalmente depois do sofrimento que deve ter sido aprender a cantar em russo.

4 atores aprendendo a andar na neve projetada.
Publicado em 4, March, 2008
(Sobre o Grupo BACANTE poderá ser consultado o link respectivo)

1 comentário:

Stella disse...

Olá, Fernando!

Que delícia saber do sucesso desta peça em minha terrinha!

Ainda mais porque lendo a crítica bateu uma inveja e um despeito gigantescos de não ter tido o prazer de conferir o espetáculo. Com certeza, eu toparia passar horas se fosse necessário a comer bolachas e me deleitando com um texto baseado em Tolstói.
Contudo, aposto que oportunidades não hão de faltar e espero que o sucesso de Babine traga novamente a Cia. Art’Imagem ao Brasil (e que façam o enorme favor de passarem por Belo Horizonte, minha terra), pois com certeza, prestigiarei na primeira fila o seu trabalho.


Um abraço a ti, Fernando, e boa semana!