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quinta-feira, dezembro 22, 2005

A heterogeneidade teatral portuguesa no século XVIII



O século XVIII é, por excelência, o século da «festa», das ruas enfeitadas por cenários para as grandes representações, fossem elas de teatro, fossem de procissões de Corpus Christi ou mesmo de autos-de-fé.
Lisboa é agora a verdadeira capital do reino. O monarca instalara-se definitivamente nas margens do Tejo e daí comandava um extenso império que se alargava pelos vários cantos do mundo. Lisboa fervilhava de gentes de várias cores e de várias classes, desde o miserável pedinte, ao fidalgo arruinado ou aprendiz, desde o simples operário ou vendedeira aos senhores e damas, satélites ou parasitas de uma corte que sustentava o fausto com as riquezas que não chegavam ao povo e que provinham tanto do comércio como do contrabando, o daqui e o de além-mar.
Antes da Restauração, já Lisboa se enfeitava para receber o monarca (Filipe III, de Portugal, em 1619), erguendo majestosos arcos de triunfo.
Também é Lisboa que assiste ao eclodir da Restauração em 1640, uma Lisboa que cresce, na medida inversamente proporcional ao resto do país. Após o período mais conturbado das lutas pela consolidação da independência, a nobreza volta a «poluir» com o seu fausto os salões da capital. D. João V (1689-1750), ascende ao trono em Janeiro de 1707.
Há que imitar, em tudo, o «bom gosto» da França e das grandes capitais europeias, mesmo que para tal não tenhamos os cofres a abarrotar, ou tenhamos que empenhar-nos.
«A cultura do tempo, nas suas mais diversas formas, vai fazer com que o frívolo e o maravilhoso possam manipular o puro entretenimento. A época pretende (...) com a utilização que vai fazer da festa, não interromper a vida com o jogo, mas antes teatralizar toda a existência. O poder político (tal como, em menor medida, a Igreja) vai superlativar essa atitude, colocando-a ao serviço da estabilização social, do controlo das mentalidades e da expansão da autoridade monárquica»[1].
O barroco assume proporções inauditas, as igrejas enchem-se com as talhas douradas nas capelas que os senhores mandam construir propositadamente para as suas famílias, à custa do ouro e depois dos diamantes que vieram do Brasil.
Aquando do comércio do Oriente e das riquezas que ele nos trouxe, perdemos a hipótese de desenvolver o país; a riqueza que agora vinha do Brasil era uma vez mais desperdiçada perdulariamente pelas mãos da megalomania e da exibição que enxameavam as cabeças dos possuidores do dinheiro. Os salões aristocráticos enchem-se de literatos, músicos, artistas, muitos deles de gosto duvidoso, enquanto sua majestade busca satisfazer a providência mediante a construção do monumental Convento de Mafra, vivendo entretanto nos Paços da Ribeira.
Mas as construções, que mesmo assim proliferavam, eram mais sumptuosas no interior que no exterior. A arquitectura do efémero é a grande imagem de marca da Lisboa setecentista, sobretudo no período joanino, portanto pré-terramoto, e para tal era necessário importar arquitectos e pintores que trouxessem até nós a arte que nunca fôramos capazes de desenvolver.
De facto, dois monarcas marcam de forma notável o século XVIII português: D. João V e D. José.
D. João V é já um exemplo do monarca déspota, mas igualmente aberto ao fausto e ao mecenato cultural. Embora — e há que reconhecê-lo — as circunstâncias económicas favoráveis estejam na origem directa da sua acção, esta pauta-se já pelo favorecimento — nem sempre claro — de intelectuais mais ou menos familiarizados com as novas ideias que o Iluminismo expandia. Alguns dos mais notáveis professores jesuítas vêm para Portugal por influência do monarca (ou dos seus mais directos colaboradores), ao mesmo tempo que envia bolseiros para o estrangeiro. Mas a acção de D. João V vai mais longe, favorecendo igualmente os oratorianos, com regalias antes atribuídas exclusivamente aos jesuítas, relaciona-se de forma muito estreita com nobres eivados já de ideais inovadores, como será o caso, entre outros, de Martinho de Mendonça de Pina e Proença.
Mas seria incorrecto atribuirmos exclusivamente ao monarca a responsabilidade por uma renovação que é resultante de toda uma plêiade de homens notáveis, fruto do seu tempo, como D. Francisco Xavier de Meneses, D. Luís da Cunha, Manuel de Azevedo Fortes, o médico judeu Jacob de Castro Sarmento (que acaba por ir trabalhar para Inglaterra!), o Pe. Bartolomeu de Gusmão, o da «Passarola» e seu irmão Alexandre de Gusmão, e tantos outros, mesmo jesuítas como António Cordeiro, Baltasar Teles ou Francisco Soares, estes ousando já contestar o «sacrossanto» Aristóteles.
Século, pois, de luta intelectual, de «agitação mental e espiritual, de polémicas consecutivas, de infiltrações do pensamento estrangeiro mais avançado, mas também de futilidade, de poesia artificial e entretenimentos pueris», no dizer de Banha de Andrade[2], de vacuidades e galanteria, de religiosidade beata de mão dada com o deboche, mas simultaneamente século de sublimação da Razão.
Século do Homem, obviamente das suas virtudes e incoerências. Legitimamente, pois, século de Ribeiro Sanches e de Verney, tempo de «luz» e do sonho, das novidades dum Robinson Crusoé ao imaginário gulliveriano ou à mordacidade de um Marivaux, tempo de Goldoni e de Arlequim «entre dois amos»: Aristóteles e Newton, com nítida vantagem para o segundo.
Século em que praticamente tudo é posto em causa: ética, religião, política, ensino, filosofia, ciência, e, para o final da centúria, a própria monarquia «divina» sofre os primeiros abalos. Porém, toda esta «onda» de reflexão e de difusão cultural é bem mais ampla além Pirenéus e o movimento inovador ou mesmo de contestação, tem de ser encarado em Portugal à escala sempre reduzida (e cronologicamente atrasada) do nosso país. Assim se percebe que os «estrangeirados» tenham, de facto, «vistas mais largas» e se são «pontas-de-lança» dum vanguardismo intelectual, são-no sobretudo em relação à anquilose ainda reinante nas esferas do saber lusitano. E por isso ainda, e também, todos eles mais ou menos vítimas do reaccionarismo de quantos teimam em passear a sua tacanhez pelos corredores bafientos duma Escolástica moribunda.
O verdadeiro intelectual português do século XVIII repelia, enojado, a mediocridade mental que ainda se pavoneava em muitos salões aristocráticos e burgueses da capital e procurava seguir o exemplo edificante das novas ideias da reforma intelectual de raiz cartesiana e newtoniana que Filósofos e Enciclopedistas se encarregavam de cultivar, discutir e difundir nos meios evoluídos da Europa setecentista[3].
Era esta, pois, a Lisboa onde coexistiam as diversas classes, sociais e mentais, que viria a acolher um «Judeu», os Árcades, mas também a ópera, feita por actores ou por bonifrates, bem como os resíduos do teatro do Siglo de Oro a par com as novas propostas de um teatro italiano ou francês.
A preocupação com a distinção classista chegava ao ponto de fomentar a redacção de regras de tratamento e de vestir, que embora viessem já de trás, assumiam agora proporções significativas. As «senhorias», os «excelentíssimos», os «reverendíssimos», as «senhorias ilustríssimas», integravam todo um código de «boas maneiras», obrigatório no linguajar aristocrático de uma fidalguia tão pedante como estúpida e pretensiosa. Qualquer evento, por mais natural ou particular que fosse, um casamento, um nascimento, um pedido de noivado, tudo eram pretextos para festas e banquetes, como o eram a simples ida à ópera, ao teatro, à tourada ou ao auto-de-fé, já para não falar dos passeios e das caçadas. O maneirismo das falas e dos gestos atingia o exagero do ridículo, porque cada um tinha em si a sensação permanente de que estava a ser alvo dos olhares alheios e, portanto, a imagem tinha não apenas de ser a melhor, mas cultivada com sumptuosidade.
Se esta era a realidade da corte, não o era menos no seio da aristocracia e da alta burguesia que procurava imitá-la. A aristocracia gravitando em volta dos movimentos do rei, dos seus familiares e ministros, a burguesia buscando a proximidade com os titulares da nobreza. E tudo valia, da mentira à intriga, para se insinuar nos meios sociais que se almejava atingir.
Era um século de ostentação sem suporte, como o era igualmente de contrastes e de oposições: às fronteiras sempre «apertadas» das censuras e dos «olheiros» inquisitoriais, do conservadorismo retrógrado das classes no poder, opunham-se os libertinos, os livres-pensadores, aqueles que ardentemente desejavam um mundo novo e mais consonante com o desenvolvimento filosófico, científico, literário e cultural. À religiosidade e ao misticismo, opunha-se igualmente a sensualidade, que muitas das vezes aparecia disfarçada sob as vestes austeras da clerezia. O mundo — também e sobretudo em Lisboa — é um palco por onde desfilam e representam as mais díspares personagens.
Havia literatura especializada para enformar todas estas vivências, desde os manuais de cortesia e civilidade aos da fala, aos do gesto, aos dos movimentos da dança, mas também escritos sobre os autores mais recomendados, sobre os músicos de eleição, sobre a moda e o trajo, sobre os penteados, os mobiliários e as decorações: era a sociedade dos jardins e das carruagens, dos espelhos, dos perfumes, da maquilhagem e das cabeleiras, mas também a da boémia, da parasitagem, dos vadios, das prostitutas, dos frades e das monjas em fugas (nem sempre clandestinas) para noitadas de amor, dos mendigos e dos chulos.
Os cegos e pedintes cantavam pelas ruas os poemas que vendiam em folhetos aos passantes e nas portas dos estabelecimentos, pendurados em fios, (daí a denominação de teatro de cordel), «a cavalo num barbante», na feliz expressão de Nicolau Tolentino de Almeida, exibiam-se papéis com entremezes, autos, comédias, farsas, tragédias, muitas de autores anónimos, outras resultantes de traduções ou adaptações de comédias e entremezes, outras ainda encomendadas pelos próprios impressores a autores que nesse género recolhiam o essencial para a sobrevivência do quotidiano e que desta forma atingiam um público mais vasto e menos instruído nas coisas da literatura. Mas, ao contrário do que possa pensar-se, foi este tipo de teatro o verdadeiro continuador da obra do Judeu.
Milhares de folhetos chegaram até hoje, mas infelizmente o chamado «teatro de cordel» está ainda por estudar na verdadeira riqueza que representa, tanto pela variedade temática como pela multiplicidade de estilos. Teatro de crítica, é por vezes tão contundente que os seus autores, alguns de inegável qualidade literária, tiveram de refugiar-se no anonimato, sob pena de estagiarem nos calabouços pombalinos ou, mais tarde, sob os esbirros de Pina Manique.
E há um pouco de tudo: da farsa à comédia, da tragédia ao melodrama, do auto ao entremez, as evocações históricas ou religiosas, os elogios dramáticos, os episódios romanceados a partir de situações burlescas ou dramáticas do quotidiano, em prosa como em verso. Mas também adaptações de autores famosos, com relevo para Molière, Goldoni, Metastásio, Alfieri e tantos outros.
Como escreveu Albino Forjaz de Sampaio, «teatro de cordel não é um género de teatro, é uma designação bibliográfica», e a prova podemos encontrá-la no precioso catálogo da Fundação Gulbenkian[4].
Dos muitos autores que, apesar de tudo, se conhecem, salienta-se o nome de José Daniel Rodrigues da Costa (1757-1832), autor que escreveu dezenas de peças. «Autor bom? Mau? Autor com êxito. Um dos muitos que forneceram ao teatro de então mais os entremezes do que as peças, um dos muitos que entretiveram o seu público com os disparates de uma técnica particularmente atenta às necessidades de um auditório»[5].
Era inevitável que pelo meio de toda esta «fauna» surgissem aqueles que se não deixavam encandear com os fogachos luminosos do esplendor e satirizassem o mundo que se lhes deparava em volta. Outros, porém, preferiram mesmo abandonar o país, que não lhes reconhecia o mérito (Verney, Jacob Sarmento), e servir cortes no estrangeiro, onde os seus conhecimentos e investigações eram não só aceites mas estimuladas, como aconteceu com Ribeiro Sanches.
Mas deixemos por ora esta paisagem e vejamos o que acontece no panorama literário português do século XVIII.
O passado não deixara nem grandes marcas nem grandes saudades. Afora um ou outro exemplo, nada de verdadeiramente inovador surgira no Portugal de Seiscentos. Assim, serão mais uma vez os modelos importados que irão determinar o aparecimento de alguns nomes na literatura portuguesa do século XVIII. Infelizmente, porém, no que ao teatro diz respeito, os exemplos hão-de escassear e não será ainda nesta centúria que um verdadeiro teatro nacional irá despontar em força, cerceado como foi, logo à nascença, o ímpeto e o génio criador de um António José da Silva.
No entanto, muito teatro foi representado em Portugal, e é neste século «que o estatuto do actor evolui até à sua reabilitação, em 1771, por um decreto do marquês de Pombal»[6]. Várias edificações foram erguidas para acolher o teatro, a ópera entra-nos pela porta dentro, com companhias estrangeiras que por cá passavam em digressão. Mas se muito se escreveu, bem pouca foi a qualidade que lhe deu a consistência capaz de garantir a perenidade da memória.
A Arcádia Lusitana, fundada em 1756, tinha entre os seus objectivos a veleidade de restaurar um verdadeiro teatro nacional que parecia ter acabado com o desaparecimento de Gil Vicente. Mas as suas intenções não ultrapassaram os estreitos limites da componente literária.
Com a Restauração, a influência do teatro espanhol tende a diluir-se e os melodramas italianos e o teatro clássico francês têm, de facto, públicos fiéis — eram a novidade e eram estrangeiros: Georges Dandin, de Molière, representou-se em Portugal logo em 1737, traduzido por Alexandre de Gusmão. Mas Racine, Corneille ou Voltaire também passeavam o seu talento dramático entre nós, através da tradução das suas obras. Isto não impedia, contudo, que alguns persistissem em ver o ideal do modelo teatral nos autores castelhanos como Calderón ou Lope de Vega, aliás, igualmente admirados noutros países, pese embora o facto de novos modelos se estarem ensaiando já então na França e na Inglaterra do tempo. Graça Rodrigues afirma mesmo que «... no século XVIII, e até que a abertura para a Europa se faz sentir com o Marquês de Pombal, sobretudo a partir de 1738, o Siglo de Oro espanhol teve repercussões profundas na produção literária portuguesa»[7]. Aliás, não é por acaso que ainda em 1739 o Marquês de Valença, D. Francisco de Portugal e Castro, se envolve numa polémica ao publicar o seu Discurso Apologético em Defesa do Teatro Espanhol.
António José da Silva «o Judeu» (1705-1739)
Filho de gente de ascendência judia (o pai era advogado e chamava-se João Mendes da Silva e a mãe Lourença Coutinho), o moço António José, nascido no Rio de Janeiro em 8 de Maio de 1705, teve de acompanhar os pais para Lisboa, enviados pela Inquisição, aí sendo encarcerados em 1712.
António José estudou em Lisboa e formou-se em Direito em Coimbra, com apenas 24 anos.
Os outros filhos do casal, Baltasar e André, também foram, como os pais, encarcerados e torturados nas masmorras inquisitoriais, vendo-se espoliados de todos os seus bens.
Ainda estudante (em 1726), António José é preso pela primeira vez, acusado de levar uma vida pouco confinante com as regras da moral embora já então ele se esforçasse por parecer um católico praticante, e é condenado com «pena de cárcere e hábito penitencial perpétuo», obrigado a «ser instruído nos mistérios da fé», mas logrando sair da cadeia após o auto-de-fé realizado em 13 de Outubro desse mesmo ano. Logo em 1729, sua mãe é novamente presa.
Dedica-se às letras e à advocacia, mas em 5 de Outubro de 1737 volta a ser detido juntamente com a mulher: é torturado e sentenciado à fogueira, tendo morrido num auto-de-fé em 18 de Novembro de 1739, com apenas 34 anos de idade. Deixa viúva a prima com quem casara, em 1734, de nome Leonor Maria de Carvalho. Sua mãe lograra também escapar à fogueira.
Curiosamente, fora queimado por ser «judeu» e não por ser o autor das operetas que conheciam estrondosos sucessos no Teatro do Bairro Alto, mas de que a Inquisição ignorava a verdadeira autoria, como defende um dos seus mais atentos estudiosos[8].
A sua obra, magistral pela concepção que não pelo volume, inicia-se logo em 1733 com A Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança. No ano seguinte escreve Esopaida. Seguem-se então obras de inspiração greco-latina como Os Encantos de Medeia (1735), Anfitrião ou Júpiter e Alcmena e Labirinto de Creta, ambos de 1736. A sátira é uma constante na imaginação criadora do grande dramaturgo e a sociedade em que vive fornece-lhe temáticas de sobra. Não espanta, pois, que no ano de 1737 nos surja com Guerras do Alecrim e Manjerona, As Variedades de Proteu e o Precipício de Faetonte, esta já em 1738, que foi a sua última produção.
A sua obra foi postumamente reunida pelo seu amigo e editor Francisco Luís Ameno, sob o título Teatro Cómico Português.
Todas estas óperas joco-sérias, como ele as classificou, foram representadas no alfacinha Teatro do Bairro Alto, deliciando as gentes que de vários estratos sociais ali acorriam para se verem ao espelho e deliciarem-se com as grotescas caricaturas das suas próprias taras e manias[9].
Tentando inovar, rejeita os modelos estéticos clássicos, ridiculariza a sociedade do seu tempo mas também os padrões clássicos da estética do século que o precedeu e que, apesar de tudo, ainda era bastante cultuada nos saraus aristocráticos. Desrespeitou, por isso, e intencionalmente, os padrões aristotélicos, não se restringindo às estanques leis das unidades de tempo e lugar. Na verdade, o seu teatro procurava sobretudo desmitificar a produção teatral e criar um verdadeiro teatro português. Se não foi mais longe, tal ficou a dever-se tanto ao barroquismo que enformava os gostos da época como à curta existência de que desfrutou.
Com uma vida curta, deixou-nos mesmo assim uma obra que prenunciava já a magnitude do seu talento se a morte o não tivesse ceifado cruelmente e tão cedo. Camilo Castelo Branco, sensibilizado pelo seu sofrimento, haveria de dedicar-lhe um dos seus romances históricos, mas caberia já a um dramaturgo do século XX, Bernardo Santareno, a glória de colocar em teatro a biografia de António José da Silva, na peça que intitulou precisamente O Judeu e na qual alcança um dos mais elevados momentos da dramaturgia portuguesa de todos os tempos.

[1] — BEBIANO, Rui — D. João V poder e espectáculo. Lisboa: Livraria Estante, 1987, p. 47.
[2] — ANDRADE, António Alberto Banha de — Contributos para a História da Mentalidade Pedagógica Portuguesa. Lisboa: INIC, (1982), p. 248.
[3] — V. a propósito, PEIXOTO, Fernando — Luís António Verney. Entre a cruz e a caldeirinha.», in História. Ano XV, n.º 161, Fevereiro de 1993, Lisboa: Projornal, p. 76 – 83.
[4]Literatura de Cordel. Catálogo Geral V, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.
[5] — Prefácio à obra de COSTA, José Daniel Rodrigues da — 6 Entremezes de Cordel. Lisboa: Editorial Estampa - Seara Nova, 1973, p. 17.
[6] — REBELLO, Luiz Francisco — Breve História do Teatro Português. p. 76.
[7] — RODRIGUES, Graça Almeida — Literatura e Sociedade na obra de Frei Lucas de Santa Catarina (1660-1740). Lisboa: INCM, 1983, p. 82.
[8] — AZEVEDO, Lúcio de — «O poeta António José da Silva e a Inquisição», in Novas Epanáforas – Estudos de história e literatura. Lisboa: 1932.
[9] — José de Oliveira BARATA discorda que as plateias do Teatro do Bairro Alto incluíssem as classes baixas, com base no argumento de que ali era o local escolhido pelos nobres para «construírem os seus palácios», não o considerando, por isso, um «comediógrafo popular». Cf. História do Teatro Português. p. 226.
Fernando Peixoto

As Abelhas e as Vespas na colmeia do Teatro - Fernando Peixoto


(Comunicação proferida em 9 de Janeiro de 2003, na Mesa-Redonda «Teatro e Ensino», no Mercado de Ferreira Borges, no decurso das comemorações dos 20 anos da ESAP/CESAP)

Há o mel e a cera; há as abelhas e as vespas. Uns espetam para estimular a produção; outros para destruir o que foi produzido. Assim acontece na colmeia do teatro; assim se passa na comédia da vida.
Sarah Kane pertencia à geração dos filhos de Margareth Tatcher e suicidou-se aos 28 anos. Miguel Rovisco era o fruto da geração dos anos 60 e pôs termo à vida aos 27. Será que alguém sabe, verdadeiramente porquê?

Um e outro, contudo, deixaram-nos obras não só importantes como promissoras do que poderiam ainda criar se, para tão vasto talento, não tivesse sido tão curta a vida.
Mas também no seio do mundo teatral há os Iagos, despudorados, ambiciosos, para quem tudo vale desde que «apareçam» e logrem um reconhecimento oficial e público que os seus méritos quase nunca justificam: são eles que se colam aos poderes mutáveis, estão sempre disponíveis para a metamorfose e como vespas insaciáveis sugam o néctar dos cifrões que a bajulação coloca ao seu dispor. Outros, corporizando Antígonas ou rebelando-se como Prometeu, cientes que o dever é mais importante que o conformismo, são as abelhas diligentes, não sustêm a labuta permanente, convictos do mel que é imprescindível para combater os amargos sabores da vida, e num colectivo solidário constroem os favos de que se alimenta o conhecimento.
Os primeiros têm amplos e sinuosos bastidores, bunkers onde se acoitam e dos quais desferem os seus ataques, dispõem de sofisticada maquinaria, espaços de luxo, gabinetes pessoais, direito de antena e outras «mordomias» que o poder do Político lhes prodigaliza. Os segundos são os «Sem-Terra», os «Sem-Abrigo», os despojados, capazes de ultrapassarem as maiores dificuldades pelo recurso à imaginação que só uma convicção profundamente solidária alimenta.
De onde vem e porquê esta abissal diferença, esta ancestral discriminação?
Há dias fui a um leilão: gente endinheirada disputava quadros que queria levar para casa por milhares de contos; alguns batiam-se por adquirir uma escultura; outros ofereciam lances inimagináveis por pequenas peças de cerâmica. Ninguém adquiriu uma colecção de primeiras edições de peças de teatro de um conhecido autor português que custava cerca de 200 euros!
Será que alguém sabe, verdadeiramente porquê?
O Teatro é uma criação que usa as palavras, as paixões e os corpos como arma.
Se as palavras, no dizer de Stendhal «são sempre uma força que procuramos fora de nós», e Eurípides aconselhava mesmo «fala se estás na posse de palavras mais fortes do que o silêncio, senão mantém-te calado», então o Teatro, que as utiliza mais que ninguém, é a arte que mais estilhaça os espelhos do silêncio, é o canhão que dispara contra os muros do medo e do conformismo, é a trovoada que rasga as veias das fontes do sonho com que se alimenta o Futuro.
Mas o Teatro não existiria se lhe fosse impedido respirar a aragem das paixões, porque «as paixões ensinaram a razão aos homens», como escreveu William Shakespeare, n’A Tempestade, antecipando de alguns séculos as conclusões científicas de António Damásio.
Esta arte, que Téspis divulgou na sua itinerância pelos caminhos gregos da descoberta do Homem, constitui um corpo complexo, que não vive apenas da pele que o reveste (o cenário), dos ossos que o sustêm (os adereços), dos nervos que o impelem (as emoções), mas do sopro de Vida que as mulheres e os homens que o fazem respiram, no quotidiano das ruas, nos palcos, nos bastidores, em qualquer local onde haja seres humanos dispostos ao diálogo, à reinvenção do real e à recriação do mundo que os envolve.
O criador teatral sabe bem da importância do seu acto e, muitas vezes, dos perigos que corre. Mas insiste, porque «criar é matar a morte», como dizia Romain Rolland. E, a propósito da criação, o grande Jean Genet sabia muito bem o que dizia quando afirmou que «criar não é um jogo mais ou menos frívolo. O criador meteu-se numa aventura terrível que é a de assumir ele próprio, até ao fim, os perigos que enfrentam as suas criações».
Por tudo isto o Teatro é perigoso: é que ele aponta, grita, mostra, apela, denuncia, esclarece, descobre, desafia, inventa e renova, transforma-se noite após noite porque não há dois espectáculos iguais, experimenta, interroga, agride e abraça, cospe e beija: é a Vida, em suma, no seu continuum dialéctico.
Louis Jouvet, definiu-o como uma colmeia «onde se transforma o mel do visível para fazer dele o invisível». E desse invisível da Vida se alimenta o sonho, como maravilhosamente nos fez compreender Calderón de la Barca.
A teimosia do sonho e a capacidade de materializá-lo, deverão constituir sempre o horizonte perseguido pelos criadores teatrais: os autores, os actores, os encenadores e todos quantos constituem o exército indómito dos obreiros do combate pela dignificação do Teatro. Por isso, é frequente depararmos com aqueles cuja paixão pela arte dramática supera as mais incríveis limitações. E frequente é também ver autores e actores transformados em Pigmaleões apaixonados pelas Galateias-personagens que eles próprios esculpiram sobre o palco.
Por tudo isto o Teatro foi sempre uma espécie em vias de extinção, mas que vem resistindo porque enquanto houver um homem e uma mulher que se recusam a ser fósseis — e ser fóssil, aqui, significa deixar de sonhar — o teatro há-de levantar-se sempre, como fénix renascida das cinzas em que os inquisidores tentam «assá-lo» há milénios.
É que a imortalidade da criação e da arte teatral provoca ainda nas classes possidentes um medo pavoroso. E poucas artes possuem, como o Teatro, a possibilidade de despertar as consciências.
Num estudo recente, que serviu de base a Vítor Rodrigues para a sua dissertação de doutoramento em Psicologia, aquele investigador chegou à conclusão de que os textos de Gil Vicente são os preferidos dos alunos do 10.º ano de Português B, a que se seguiam Os Lusíadas. Apesar destes resultados, já a partir de Setembro deste ano (2003), estes textos vão ser retirados do programa do 10º ano, como consequência da revisão curricular!
A notícia veio no Público de 3 de Janeiro deste ano e entre as várias conclusões a que chegou aquele psicoterapeuta, salienta-se a de que os alunos manifestam um maior grau de atenção frente a um docente que lhes fala de forma clara, melodiosa, expressiva, aconselhando mesmo os docentes a recorrerem a «uma linguagem mais metafórica e emocional» como forma de potenciar uma maior motivação dos alunos.
Mas será isto que acontece na generalidade dos casos? Há, por acaso, formação a este nível, dada aos docentes nas célebres cadeiras pedagógicas das Faculdades que formam os futuros professores? Sabem eles colocar a voz? Utilizam o rosto, as mãos, o corpo, como complementos expressivos?
Formam-se professores de Letras e de Ciências sem a mínima preocupação de os preparar para os difíceis percursos da comunicação oral, e ignora-se mesmo a enorme importância da comunicação corporal, como se isso fosse matéria exclusiva para uns pobres-diabos que não têm que fazer e por isso mesmo se dedicam ao estudo incipiente do Teatro em alguns (poucos) cursos das ESE’s.
Mesmo ao nível do ensino básico, faixa etária em que as crianças carecem de mecanismos diversificados de descoberta que a expressão dramática potencia, como a experiência no-lo tem provado, o recurso àquela forma de expressão tem sido sistematicamente ignorada.
Um exemplo, apenas. Numa escola do 1º ciclo do ensino básico de Gaia, foi dado a ler aos alunos um texto sobre a lenda de Gaia. Dos que o leram — e não foram muitos — poucos o entenderam e nenhum se entusiasmou particularmente com a lenda.
Fomos convidado a contá-la oralmente a um grupo de cerca de centena e meia de crianças, algumas portadoras de diferentes níveis de deficiência motora e intelectual. A estratégia que adoptámos foi a de reunir todas as crianças num recreio térreo e distribuí-las de acordo com as suas preferências: uns eram os cristãos, outros os mouros, alguns reis, outros rainhas ou princesas, cavaleiros, etc. Introduzimos lentamente pequenas porções da história que eles iam mimando. A cena da batalha entre mouros e cristãos, com o rapto da princesa Gaia, constituía o desfecho da lenda. Todos as crianças se envolveram numa «luta» coreográfica, na qual as espadas eram os próprios braços com os dedos indicadores esticados. Um ligeiro toque no colega bastava para simular a sua «morte».
O resultado foi verdadeiramente entusiástico. Durante dias aquele «jogo» foi não só o tema das conversas como serviu de pretexto para composições escritas, desenhos e pinturas. E, curiosamente, muitas quiseram ler posteriormente aquela mesma lenda numa versão que existe em banda desenhada.
É certo que os planos curriculares dos alunos do 1.º ciclo contemplam espaços para as expressões artísticas como a educação musical, plástica ou dramática. Mas quantos docentes estão habilitados a leccioná-las? Nos ciclos seguintes o panorama não é mais animador.
O teatro, pela versatilidade dos meios que emprega, pelos recursos de que se serve, pela abrangência cultural que suscita, constitui — quanto a nós — o veículo privilegiado de acesso ao conhecimento pela via do lúdico. Ele influi e exercita as capacidades motoras, organiza o raciocínio lógico, fortalece a «musculatura» da memória, melhora a articulação das palavras e orienta as necessidades respiratórias; serve-se da Literatura, da História, da Filosofia, da Música, das leis da Física, das Artes Plásticas, utiliza os recursos do meio e provoca a imaginação; questiona mais do que afirma, bebe profundamente nas águas da Psicologia, cria tensões e promove solidariedades, em suma: provoca um amplo e harmónico desenvolvimento humano.
Apesar de tudo isto e do muito mais que poderia ainda acrescentar-se, continua a ser o parente pobre do Ensino.
Será por acaso? Não haverá por aqui algum maquiavelismo escondido com o «príncipe» de fora? Será por ignorância ou ingenuidade dos políticos que o desenvolvimento do teatro se processa sempre de forma lenta e em contra-corrente?

Sabiam que o Teatro é irmão do Político e quase nunca estão de boas relações? Porque, filhos ambos do mesmo Pai (o Homem) e da mesma Mãe (a Natureza Humana), ambos intervêm no quotidiano e os seus objectivos entram frequentemente em conflito.
O Político sabe perfeitamente do grande amor que o Teatro tem pela Liberdade e como quer, casado com ela, despertar os homens e o mundo. O Político materializa a ancestral vingança de Zeus contra Prometeu: o Político, embebido nas teias eróticas da Ambição, busca uma relação promíscua e de conveniência que lhe permita decidir, juntamente com a sedutora, da vida e do destino dos humanos, sem ser perturbado pelo fogo do conhecimento que o Teatro pode levar às massas.
Ao longo dos séculos temos assistido a sistemáticas tentativas de fratricídio, com o Político (vestindo trajos de tirano ou de religioso) a tentar amordaçar ou mesmo apunhalar o irmão Teatro. Primeiro na Grécia, onde se tentou calar os dramaturgos; assim foi em Roma, porque Nero não logrou ser o actor de fama que ambicionava; assim foi, durante séculos, nos primórdios do cristianismo. Mas, viajando de carroça ao longo dos tempos, mais tarde entrando de carruagem nos palácios dos mecenas e dos próprios reis, hoje viajando de carro, de comboio ou de avião, tendo já um lugar cativo na própria NET, o Teatro sobreviveu sempre.
Crucificado e recrucificado, o Teatro soube sempre reerguer-se do túmulo onde o Político pretendeu sepultá-lo e de cada vez partiu com uma nova mensagem, com um novo sorriso, com uma nova vontade, com uma nova esperança, com um novo sonho, com um novo projecto de Futuro.
Num palco convencional ou numa barraca improvisada, na arena de uma praça ou no espaço estreito de uma rua, no interior de um supermercado ou num recanto de um qualquer centro comercial, o Teatro acontece, pode acontecer, e em todas essas ocasiões é o Homem, o Homem autêntico que se procura a si mesmo para construir o seu próprio itinerário, para criar o seu próprio Futuro. Aí reside a sua força. Aí habita a verdadeira Fé que só os crentes da religião teatral cultivam: um Amanhã diferente com um Homem diferente. Porque, como escreveu Elsa Triolet, «o futuro não é uma melhoria do presente. É outra coisa».
«un pueblo que no ayuda y no fomenta su teatro, si no está muerto, está moribundo». — FEDERICO GARCÍA LORCA
Rompamos o silêncio! Apedrejemos a ignorância! Expulsemos o oportunismo! Matemos a morte! Façamos Teatro!

quarta-feira, dezembro 21, 2005

«CONTACTO» com Lorca e Bernarda Alba




Dizer que Federico García Lorca foi um inovador é pouco, restritivo e pouco significante; dizer apenas que foi importante a sua obra poética, é igualmente — dizendo a verdade — limitá-la. Tratando-se de um génio, Lorca abarcou os mais variados géneros artísticos: foi escritor, dramaturgo, poeta, músico, artista plástico, fazendo convergir em verdadeiras obras de arte as imensas capacidades artísticas que fizeram dele uma das mais emblemáticas figuras da cultura ocidental do século XX.
Falar do seu enorme contributo como homem e artista na luta pela liberdade é tentar uma aproximação ao real, mas pouco mais do que isso, pois Lorca foi tudo isso e muito mais do que isso. E mesmo hoje, a cerca de setenta anos de distância, podemos ainda aspirar o aroma e a frescura das suas propostas estéticas. A esta distância, ainda sentimos na boca o sabor amargo da revolta, face à cobardia que pôs termo a uma vida em pleno viço criativo.
Autor de obras que se imortalizaram na História do Teatro do século XX, seria difícil dizermos, como alguns, que a sua peça A Casa de Bernarda Alba é a sua obra-prima. Mas que está no patamar mais alto da sua criação, isso parece-nos inteiramente justificável.
Em 1936 a Frente Popular vence as eleições em Espanha. Federico lê para os amigos La Casa de Bernarda Alba. Já não assistirá à sua representação. A estreia verificar-se-á nove anos depois, em Buenos Aires.
Verdadeira tragédia do silêncio, A Casa de Bernarda Alba é por muitos considerada a maior obra da dramaturgia lorquiana.
Bernarda encarna as duas forças complementares da repressão: a Ordem e o Poder. Uma e outro impõem condutas de rigor insuportáveis a quem acha que tem o direito a ser e a existir. Bernarda nega e nega-se a si mesma. Outra força irrompe no conflito: o Sexo. O isolamento e a incomunicabilidade são o preço da negação do individual e da liberdade que o instinto sexual materializa. A tirania, a loucura, o suicídio parecem ser as únicas hipóteses de vida, uma vida que acaba por conduzir à morte, extremo de afirmação para uma revolta já insuportável. Mas a Morte é — continua a ser — a inevitabilidade, a trincheira que defende os valores de uma moral glacial e cruel e por isso o silêncio se impõe no final, quando Bernarda grita: «La hija menor de Bernarda Alba há muerto virgen. Me habéis oído? Silencio, silencio, he dicho! Silencio!».
Consciente do momento difícil que a sua pátria atravessa, Lorca parte para Granada e desabafa: «en este momento dramático del mundo, el artista debe llorar y reír con su pueblo. Hay que dejar el ramo de azucenas y meterse en el fango hasta la cintura para ayudar a los que buscan las azucenas». A tragédia de Bernarda Alba encarna esta forma de estar e de sentir do seu povo
[1], mesmo quando se diz que não havia no poeta a intenção política da denúncia ao escrever esta peça[2].
A verdade é que o ambiente político extremava-se aceleradamente. Em 13 de Julho de 1936, o líder do partido monárquico «Renovación Española», José Calvo Sotelo, é assassinado e grande parte do exército levanta-se em armas. Desrespeitando os resultados da eleição democrática, em 17 de Julho desse ano a Falange desencadeia a guerra civil.
Lorca estava completamente envolvido na trincheira popular. Uma denúncia anónima leva à sua captura. É acusado de comunista e fuzilado pelos falangistas em 19 de Agosto de 1936.
«Morra a inteligência! Viva a Morte!», gritavam aqueles que não suportavam escutar palavras como Liberdade, Poesia, Teatro, Cultura, Povo, interrompendo um discurso de Miguel de Unamuno, então reitor da Universidade de Salamanca, também ele vítima da crueldade da guerra civil, morrendo pouco depois, só e prisioneiro na sua própria residência.
Mataram Federico, mas a sua obra permanece viva até hoje. E, provavelmente pelos séculos adiante, as suas palavras continuarão a soar num barranco da Sierra Nevada, como sinos de liberdade, como um eco que se espalha pelos ares, impelido pelo vento oeste:
«... pero que todos sepan que no he muerto; que hay un establo de oro en mis labios; que soy el pequeño amigo del viento Oeste; que soy la sombra inmensa de mis lágrimas ...»
Quiseram matar o Poeta: mas da terra fertilizada pelo seu sangue mártir nasceu um Mito: Federico García Lorca está vivo e o Teatro saúda-o! Porque
«el teatro es la poesia que se levanta del libro y se hace humana».
Ao longo de toda a sua obra, Lorca irá opor, numa constante e incontornável dicotomia, a Opressão e a Liberdade, uma e outra assumindo as mais diversas formas, sem que necessite de expurgar dos conteúdos o profundo lirismo que sempre acompanhou os seus trabalhos. Assim alcança a rara beleza de integrar no conflito a fusão harmónica da poesia com o drama, demonstrando uma capacidade verdadeiramente inigualável que só estava ao alcance do seu génio ímpar.
Para Lorca, a arte teatral constituía uma «escuela de llanto y de risa y una tribuna libre donde los hombres pueden poner en evidencia morales viejas o equivocas y explicar con ejemplos vivos normas eternas del corazón y del sentimiento del hombre. Un pueblo que no ayuda y no fomenta su teatro, si no está muerto, está moribundo; como el teatro que no recoge el latido social, el latido histórico, el drama de sus gentes y el color genuino de su paisage y de su espíritu, con risa o con lágrimas, no tiene derecho a llamarse teatro, sino sala de juego o sitio para hacer esa horrible cosa que se llama matar el tiempo».
Pôr em evidência velhas morais, eis o que sobressai nesta como noutra peças. E se hoje sabemos que Bernarda Alba existiu e pertencia a uma família de Vallederrubio (antiga Asquerosa) onde os pais de Federico possuíam uma propriedade e onde o dramaturgo teria mesmo conhecido aquela família de mulheres (daí o subtítulo que deu à peça, de «Drama de las mujeres en los pueblos de España»)
[3], parece que pretendeu aproveitar aquele exemplo como «intención de un documento fotográfico» como então escreveu, embora consideremos que o seu objectivo mais amplo seria o de aproveitar o tema para falar do universal dilema da repressão, fazendo convergir aqui as forças de oposição irreconciliável, personificadas na autoridade de Bernarda e na ânsia de liberdade das filhas; no instinto de poder da mãe, absoluto e castrador e no instinto sexual das filhas, que desponta na proporção directa da repressão materna; autoridade versus liberdade, moral conservadora versus sexualidade assumida, eis os binómios em confronto[4].
E é precisamente aqui que a leitura da Companhia «Contacto» de Ovar, pela mão do encenador Ramos Costa nos questiona enquanto espectador.
À primeira vista poderíamos pensar que a «leitura» que o encenador faz da peça, sobretudo no seu final (no original lorquiano a filha mata-se, enquanto Ramos Costa finaliza com a filha disparando sobre a mãe), desvirtua o sentido de Lorca; meditando um pouco mais, encontramos uma lógica que a enjenação acaba por explicar com clarividência.
Lorca nunca chegou a ver a peça representada nem mesmo teve tempo para mudar os nomes das personagens (como habitualmente fazia, e que por ter sido assassinado não chegou a esse «cuidado»); caso tivesse vivido o suficiente para assistir à barbaridade do saldo da Guerra Civil espanhola, Lorca teria mantido aquele final? Nunca o saberemos, mas talvez Ramos Costa não «escandalizasse» o autor, ao pretender ― como o fez ― assumir a «morte» da repressão através da acção da filha disparando sobre a mãe. Há ainda a questão de poder perguntar-se se não é legítimo ao encenador fazer a «leitura» de um texto tendo em conta a mensagem que pretende vincular com o seu espectáculo (porque montar um texto dramático é construir um espectáculo).
Para nós, essa legitimidade é inquestionável, uma vez que o texto é sempre o PRETEXTO para a montagem do espectáculo teatral.
Há ainda que sublinhar outros aspectos desta realização da CONTACTO.
Ao nível do suporte sonoro, pareceu-nos numa primeira reflexão que deveria ter-se privilegiado mais a «cor» da música andaluza. Mas posteriormente achámos que na realidade o drama de Bernarda não é apenas espanholm mas universal e alguns casos semelhantes conhecemos noutras paragens, incluindo o interior do nosso país.
Cenograficamente bem construído, este espectáculo releva uma montagem que prima pela simplicidade de meios e sobretudo pela carga simbólica dos objectos que nele têm «significado» e por momentos recordámos mesmo algumas propostas de Meierhold, cônscios de que somente um ou outro pormenor estabelece essa coincidência. Por isso atrevemo-nos a considerar que se encontra na mais-valia da experiência curricular do encenador a explicação para o recurso tão feliz a elementos de grande simplicidade, estabelecendo uma feliz concordância entre o natural e o simbólico.
Uma nota final para a interpretação que sabemos ser sempre difícil para quem ousa montar um trabalho com estas exigências: sinceramente, não tínhamos grandes expectativas quanto à capacidade do elenco, sobretudo porque a carga emotiva e psicológica que deveria ser-nos transmitida pelos actores não era acessível à maioria dos actores e actrizes do teatro de amadores. E aqui fomos surpreendidos com belíssimas actuações que verdadeiramente nos deixaram preso durante todo o espectáculo. E sem querermos evidenciar nenhum deles em especial, não podemos deixar de realçar a MAGNÍFICA (porque exigente e difícil) interpretação da personagem Maria Josefa, mãe de Bernarda, a cargo de Conceição Gonçalves. Do corpo à voz, da alegria de representar à capacidade de reflectir-nos uma mulher idosa coexistindo livre e sonhadora no meio da opressão autoritária, Conceição Gonçalves soube arrancar da plateia aplausos prolongados e inteiramente merecidos.
Concluindo: a CONTACTO tem em cena um espectáculo invejável de qualidade e de seriedade, digno dos seus já sólidos pergaminhos, e pena é que esta gente continue a trabalhar denodadamente em prol do Teatro, sem os meios que tantos auferem com muito menos qualidade e muito menor empenho.

FERNANDO PEIXOTO
(Publicado em 16 de Junho de 2005 no Tribuna Press (Ovar) de 16 de Junho de 2005)
[1] ― Alberto del Monte ― «Il realismo di La Casa de Bernarda Alba», Belfagor, XX (Março de 1965), págs. 130-148.
[2] ― «Estas tentativas de ver a situação espanhola reflectida na obra, por muito lógicas ou naturais que sejam, não nos convencem» (tradução nossa), escreveram Allen Josephs e Juan Caballero na Introdução a Federico García Lorca ― La Casa de Bernarda Alba. Madrid, 29ª ed., Ediciones Cátedra, 2002, p. 95.
[3] ― Cf. Claude Couffon ― Granada y García Lorca. Buenos Aires: Losada, 1967, p. 33.
[4] ― Vale a pena ler o capítulo sobre Lorca, essencialmente sobre esta peça, de Francisco Ruiz Ramón ― Historia del Teatro Español siglo XX. Madrid: Cátedra, 1997, págs. 207-209.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

REI LEAR




Teresa Correia (25/ 6 / 2005)

INTRODUÇÃO
William Shakespeare (1564-1616) é considerado o mais famoso escritor clássico da língua inglesa. Foi um autor que escreveu não apenas para o seu tempo, mas para todas as épocas, dado abordar na sua vasta obra temas atemporais porque espelham a natureza humana. Concretamente, na tragédia “Rei Lear” o poder, vingança, traição e paixões humanas, sobressaem através das “poderosas personagens” tornando-se, por isso uma obra que atravessou os tempos com a mesma poderosa força dramática da sua concepção.
O leitor não pode deixar de se emocionar com a saga de Lear, velho, sábio e relegado à miséria depois de ter sido rei, errando pelos bosques e estradas acompanhado pelo seu antigo “bobo da corte”, sendo protagonista de diálogos inesquecíveis da dramaturgia universal.
Origem da história/ Fontes
Segundo Manuel de Oliveira a lenda de “ O Rei Lear” vem da antiguidade dos tempos, por isso também nela se perde a sua verdadeira origem.
De acordo com alguns críticos do celta, a história remonta aos tempos mitológicos, Lir corresponderia a Neptuno, as suas filhas cruéis identificar-se-iam com os ventos desabridos e Cordélia corresponderia ao vento suave e meigo Zéfiro. Esta lenda é recorrente na tradição popular e conta-se sobre vários reis de diversas localidades. Existem numerosas versões, quer em prosa, quer em verso, algumas delas de autor desconhecido. Sendo o livro mais antigo, cujo autor se conhece, “História Britonum”, livro II de Geoffrey de Montmouth, compilada à volta de 1130.
Dos onze livros de autor conhecido, citados por Manuel de Oliveira, poder-se-ão considerar como fontes principais do Rei Lear os seguintes : “ The true Chronicle History of King Leir and his Tthree Daughters” ; “Histoire of England” e “ The Faerie Queene”.
Parece não haver dúvidas quanto ao conhecimento de Shakespeare do primeiro livro citado . Existem paralelismos de personagens e de assuntos suficientes, entre esta “Chronicle” e o rei Lear, para se poder afirmar que o autor se terá inspirado no livro mais antigo.
Como fonte do sub- enredo ( a história de Edgar, o filho atraiçoado pelo seu meio-irmão e em consequência disso, proscrito por seu pai) deve Shakespeare ter-se servido do livro “ Arcádia” de Philip Sidney de 1590. Neste livro encontra-se uma trama semelhante à de Gloucester e seus filhos. O autor de Rei Lear, sagazmente uniu os dois enredos, conseguindo assim dar uma maior consistência ao tema da traição.
Poder-se-á afirmar que Shakespeare foi “beber” às suas fontes o delineamento geral da história, ressaltando-se os seguintes aspectos comuns:
- A natureza teimosa e obstinada de Lear.
- A sinceridade e afeição/ devoção de Cordélia.
- A honestidade e fidelidade de Kent.
- Grande parte das personagens.
- Semelhanças verbais.
Acrescentou:
- Um enredo secundário.
- Um Bobo
- As duas filhas mais velhas aparecem já casadas.
- O duque de Borgonha
- A paixão das duas irmãs por Edmundo.
- A nova forma Lear em vez de Leir ou Leyre
- Desfecho trágico.
- A loucura de Lear é acentuada.

Contudo, a crítica afirma que, apesar de se basear nas fontes citadas, o autor escreveu uma nova peça, não se podendo dizer que se limitou a reformular as histórias já existentes.

Datação da Peça:
Datar com exactidão uma peça Isabelina , segundo Harrison , poucas vezes é possível, os dados são escassos e a data aproximada terá de ser calculada através da dedução e da argumentação: O mesmo acontece com o rei Lear. A data provável em que se pode fixar a sua composição encontra-se entre 1603 e 1606. Recorreu-se para tal a elementos externos , isto é , a referências a peças do autor e a elementos internos , ou seja, alusões na própria obra e ao estilo da peça.
Passo a referir alguns desses dados:
Na 4ª cena do III acto, no último verso lê-se. Cheira-me a sangue Britânico. O mesmo verso é citado num dos panfletos de Nash em 1596, mas desta forma: Cheira-me a sangue inglês . Poderia considerar-se que esta modificação tenha sido propositada devido à subida ao trono de Jaime I da Escócia, em 1603, que juntou sob o mesmo ceptro a Inglaterra e a Escócia.
Sabe-se que a peça foi representada na corte no Natal de 1606.
Ainda atentando no seu estilo, rico em imagens abundantes e condensadas, leva a crer que a peça tenha sido escrita aproximadamente no mesmo ano de Macbeth, 1606.
Segundo Wright, em 1606 houve um grande eclipse do Sol antecedido de um eclipse da Lua. Dado que aquele eclipse fora anunciado, o povo encontrava-se num grande alvoroço e agitação, pois as profecias, nessa altura, eram de que grandes infortúnios adviriam desses eclipses. Existem na obra alusões de Gloucester a eclipses e alusões de Edmundo às suas nefastas consequências.
Sabe-se que de uma forma geral os escritores são permeáveis àquilo que se passa em seu redor, neste caso Shakespeare não deverá ter escapado à influência das emoções e impressões que reinavam na população, naquela época, ao ponto de o transmitir na sua obra.


A OBRA E A CRITICA:
No filtro da critica de Nicoll, esta obra poderosa, revela algum descuido, dado que a sucessão das cenas que percorrem toda a Inglaterra é, no seu ponto de vista, descuidada. Na maior parte das tragédias o enredo subordina-se a uma figura, ou número reduzido de figuras, enquanto que aqui muitas personagens são analisadas individualmente como por exemplo: Kent, o Bobo, Cordélia e Edgar. Também a existência de um enredo secundário, segundo o mesmo crítico, contribui para que o leitor desloque a sua atenção da personagem principal. Considera ainda o mesmo crítico as personagens Reagan e Goneril “meras criações de palco, monstros sem motivo para a sua actuação”, concluindo que esta obra falha como trabalho de arte dramática.
Pode-se porém contrapôr a crítica de Nicoll com as seguintes argumentações:
O facto de a obra se centrar em mais do que uma personagem, fornece à história mais enredo, mais dinâmica e mais riqueza de sentidos e por outro lado, em vez de contribuir para a dispersão da atenção do leitor, acaba por dar consistência a determinados traços de carácter e aos temas essenciais da peça.
Enquanto que noutras tragédias de Shakespeare não existem enredos secundários definidos e os temas são mais realistas, aqui, o temperamento obstinado de Lear, a escalada da sua loucura e as suas exigências de provas verbais de amor, assim como a crueldade e traição de suas filhas mais velhas, ganham consistência e veracidade/ naturalidade devido à existência do segundo enredo que apresenta contornos semelhantes.
Gloucester pode ser considerado uma espécie de Lear, rejeita o filho que o ama, trocando-o por Edmundo, filho bastardo ambicioso, cruel e sem escrúpulos que consegue trapacear o pai.
A dor e agonia de Lear é reforçada pela dor e agonia de Edgar.
As filhas cruéis de Lear apaixonam-se ambas por Edmundo que maquina a favor das duas, contudo é esta paixão que as conduz à destruição. Neste triângulo de personagens joga-se a crueldade, a traição e a ambição humana desmedida.
A razão de Lear acaba por se perder completamente devido ao contacto que este tem com a pseudo loucura de Edgar.
Também é devido ao sofrimento de Gloucester que Cornualha é castigado com a morte e é Edgar quem dá o merecido castigo a Osvaldo. Ainda no final e no desmoronar da história os únicos sobreviventes dos dois enredos ( Albânia e Edgar) tornam-se amigos
Conclui-se, portanto, que o enredo secundário não contribui para o fracasso da peça, mas antes para a sua consistência como todo uno e indivisível, quer a nível estrutural quer a nível de sentido/ conteúdo.


traços de carácter/ TEMAS da peça considerados atemporais
A palavra e a sua ilusão ou vacuidade:

O jogo abre com rei Lear que decide aposentar -se do trono e assim dividir o reino entre suas três filhas, contudo, estas terão de provar o amor a seu pai por meio das palavras. Havendo o rei, já de antemão, feito as partilhas, terá guardado para Cordélia , sua filha mais nova e predilecta a melhor parte do reino.
Regan e Goneril são as primeiras a proferir o amor a seu pai.
( Acto I, cenaI)
Goneril: Senhor amo-vos mais do que as palavras podem exprimir; mais que à luz dos olhos, ao mundo e à liberdade; estais para além do que possa ser estimado, quer pela riqueza quer pela raridade...

Regane: Senhor sou feita do mesmo metal que minha irmã e julgo-me pelo seu valor. No meu sincero coração sinto que ela exprime o meu próprio e verdadeiro amor.

Chega a vez da filha mais nova Cordélia se exprimir e fá-lo de forma sincera e simplista.
Cordélia: Infeliz que eu sou, que não posso trazer o coração nos lábios. Amo Vossa magestade conforme é minha obrigação; nem mais nem menos.
Lear fica de tal modo desapontado com a resposta de sua filha mais nova, (de quem guarda mais altas expectactivas relativamente à descrição do seu amor por ele) que a deserda.
Lear: Tão jovem e tão pouco terna?
Cordélia: Tão jovem e sincera, senhor.
Lear: (...) a tua sinceridade será o teu dote.(...)
O reino é assim divido pelas duas filhas mais velhas, ficando Cordélia privada de qualquer herança e vendo o amor que seu pai nutria por ela ser transformado em desprezo e indiferença.
Lear: (...) aqui abjuro de todos os cuidados paternais, de toda a ligação ou parentesco de sangue e de hoje em diante considera-te uma estranha para mim e para o meu coração.

Esta conduta de Lear de querer ver provado o amor de suas filhas através das palavras, não demonstra sensatez nem sagacidade nem a sensibilidade de um pai que conhece bem suas filhas, e por isso também tem sido criticada por vários estudiosos da literatura, nomeadamente, Goethe. Contudo, quer-nos parecer que a intenção de Shakespeare é a de focar a característica humana da paixão pela lisonja e adulação que se encontra aliada á indomável força da irracionalidade e da vida animal.
É devido a esta atitude de obstinado orgulho que a tragédia do destino de Lear se vai desenrolando. Esta peça centra-se sobretudo no mundo interior do espírito e da consciência.
Poderíamos entender também já nesta atitude algum desequilíbrio psicológico, alguns traços de insanidade, próprios de um déspota habituado a ser obedecido e adulado, talvez mais por medo do que por admiração. A ingratidão selvagem com que suas filhas mais velhas o vieram a tratar contribuiria para a escalada da sua insanidade.

São as filhas que mais prolixamente expressam o seu amor pelo pai quem rapidamente o excluem e abandonam. Enquanto que é Cordélia aquela que o acolhe quando este se encontra na miséria.
Ainda sobre este tema da ilusão das palavras citam-se falas de outras personagens.
Kent: A profusão de palavras pode esconder um coração vazio.
Cordélia: O tempo revelará o que se esconde por trás da astúcia hipócrita; quem encobre as suas faltas acaba coberto de vergonha e de desprezo.
Kent: Sei transmitir uma mensagem, a minha maior qualidade é a diligência... Não tão jovem que ame uma mulher pela sua voz, nem tão velho que me deixe facilmente enredar ( pressupõe-se pelas palavras).
( Acto I, cena IV)

Bobo: (...)por favor, tio, arranja um mestre- escola que ensine o teu bobo a mentir; gostava tanto de aprender a mentir!...
Edgar: mais vale ser desprezado e sabê-lo do que ser adulado.
A vacuidade das palavras aqui demonstrada encontra-se em todos os discursos demagógicos que tão comummente nos é dado ouvir em determinados políticos e homens / mulheres do poder.
Também a vacuidade/ ilusão da lisonja, proferir
palavras elogiativas sobre alguém com o fito de “ cair nas boas graças” , a fim de conseguir algo , ou tirar proveito a seu favor, acontece frequentemente em meios de trabalho, ou grupos hierárquicos.
Quantas e quantas vezes não são os mais competentes e honestos que ocupam determinados cargos importantes e de chefia, mas os mais loquazes, aqueles que através das “ palavras” conseguem iludir/ convencer os demais de que possuem as qualidades adequadas.
Apesar da nossa sociedade se basear muito na palavra, é de notar que a imagem tem vindo a ganhar terreno, chegando em vários casos a suplantar o poder da palavra.

Busca de Identidade/ Semi loucura de Lear
AUTO E HETERO – CONHECIMENTO.

O rei Lear, ao lançar-se na busca do amor de suas filhas pela expressão das suas palavras, inverteu as regras do jogo do bom senso. Passou de monarca a joguete nas mãos de suas descendentes mais velhas. Por cair na tentação humana de se sentir lisonjeado, acabou por perder toda a sua autoridade e poder e ganhar os remorsos devastadores de ter desprezado Cordélia , aquela que o amava verdadeiramente. Estes remorsos acabam por conduzi-lo à semi-loucura e à perda da sua identidade.

( Acto IV, Cena VI)
Edgar: (...) Um juízo perfeito não enfeitaria assim o seu dono

Contudo este abandonado e errante Lear continua agarrado à sua obstinação de déspota.
Esta alma de gigante demonstra ter um espírito pueril. Tem rasgos heróicos mas o bom senso escapa-se-lhe por entre os dedos. Constrói a sua própria tragédia. Até certo ponto é cego para a sua loucura, cego para o ódio de suas filhas, cego para o carácter sincero de Cordélia , para a lealdade de Kent , assim como não descortina as consequências políticas que adviriam da partilha do reino.

Lear: Não, nem sequer me podem tocar por cunhar moeda porque sou el-rei em pessoa.
Edgar: Ò doloroso espectáculo
Lear. Sou; dos pés á ponta dos cabelos. Repara como os meus súbditos tremem quando olho sobranceiro. Perdoo a vida àquele homem; qual é o teu crime ? Adultério?...olhai que o bastardo de Gloucester foi mais bondoso para o pai do que as minhas filhas

O leitor sente compaixão por este homem destroçado e semi louco que procura a sua identidade de pai e de homem comum, mas para de novo se encontrar/ reconstruir uma nova identidade terá de percorrer o ” inferno moral do arrependimento.”
(Acto IV, cena VII)

Lear: Fazeis mal em arrancar-me ao túmulo; tu és uma alma bem aventurada, enquanto eu estou amarrado a uma roda de fogo; as minhas próprias lágrimas queimam como chumbo.

Lear: Por favor não troceis de mim. Sou um velho louco com mais de oitenta anos, nem mais nem menos uma hora e, para vos falar franco, receio não estar em perfeito juízo (...)
Por isso é que Lear morre na agonia da dor moral, mas liberto do seu orgulho e obstinação. Foi preciso passar pela dor para alcançar o conhecimento de si próprio e de suas filhas. Reconhecendo na mais nova a verdadeira, aquela que não assimilou os vícios da astúcia e da mentira e que provou por actos o que não soube demonstrar por palavras.
O aprender à custa dos nossos erros é uma constante da humanidade ao longo das épocas. Porém, reconhecer o erro, é o passo mais dificil, só depois de tomar consciência do erro se poderá mudar. Tal como acontece com Lear, que reconhece as suas falhas após “ a longa travessia de deserto”.
O homem moderno também passa por estas rupturas de personalidade ao longo da sua maturação. Assiste-se, nessa altura, ao ruir de uma identidade que é acompanhado de uma fase de crise de personalidade: põem-se em questão valores e principios defendidos e aceites até então, parece perder-se tudo, instalar-se o vazio, por vezes julga-se que nada mais faz sentido, até que se descobre que é necessário adoptar outra atitude de vida, olhar o mundo com outro “tipo de lentes” e ressurge então uma nova identidade/ personalidade.
Passa-se muito tempo, por vezes, até que este processo de mutação aconteça.
Instala-se a insatisfação, o vazio e sobretudo passamos a vida a queixar-nos de que os outros é que estão mal e por isso, damos connosco a tentar mudar os outros, “a moldá-los à nossa feição”. Esquecemo-nos de que nós é que somos o cerne da questão, a personagem principal deste drama real que é a nossa vida. Logo, a mudança deve operar-se sempre primeiro em nós.
Para que tal aconteça é fundamental que o homem se conheça a si próprio e aos outros .
A importância do auto e hetero- conhecimento encontra-se directamente ligada ao facto de o homem ser um ser social. A sua existência cumpre-se enquanto “actor” dentro de uma sociedade.
Os seus papéis são vários de acordo com o “palco” que lhe é exigido/ concedido ou conquistado pisar. Mas estes papéis não deixam de ser condicionados pelos outros, aqueles que fazem parte da mesma sociedade, do mesmo grupo profissional, do mesmo grupo de amigos, ou da mesma família. Cumprimo-nos, portanto, em relação com os outros. Tecemos e criamos relações mais ou menos intensas, mais ou menos superficiais, mais ou menos verdadeiras com aqueles que nos rodeiam.
Uma aprendizagem a ter em conta, não só nas escolas, mas ao longo da nossa vida, enquanto indivíduos pensantes que procuram caminhar em direcção ao aperfeiçoamento, seria aquela do auto-conhecimento e hetero-conhecimento.
Conhecer as nossas virtudes e capacidades, mas também as nossas fraquezas e os nossos receios, fortalecer-nos-á para melhor nos relacionarmos com os outros e com nós mesmos.

Passo a citar Carl R. Roger in “Tornar-se Pessoa ­:... um dos aspectos deste processo que designo como a vida plena aparece como um movimento que se afasta do pólo de uma atitude defensiva, em direcção ao polo da abertura à experiência. O indivíduo torna-se progressivamente mais capaz de se ouvir a si mesmo, de experimentar o que se passa em si. Está mais aberto aos seus sentimentos de receio, de desânimo e de desgosto. Fica igualmente mais aberto aos seus sentimentos de ternura e de fervor. É livre para viver os seus sentimentos subjectivamente, como eles em si existem, é igualmente livre para tomar consciência deles. Torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de a impedir de atingir a consciência” .
Estas palavras de Carl Rogers resultam da sua experiência enquanto psicoterapeuta, contudo não deixam de ser pertinentes no âmbito da importância do auto- conhecimento.
Como educadores, procuramos observar os jovens para os conhecer, para saber dos seus problemas, desejos, expectativas, capacidades, valores, e assim, os ajudarmos a “construirem-se e construirem” o mundo. Esta tarefa será tanto mais conseguida, quanto nós, educadores melhor nos conhecermos e mais abertos estivermos a ouvir e a entender os nossos alunos.
Nos dias de hoje, fala-se muito em crise de valores, ou até de inquietação social e mental, considerando, com frequência, os jovens como o sujeito de culpa dos actos que traduzem essas crises. Mas estas, não são aqueles; os actos que nós, adultos, reprovamos nos jovens, resultam das crises de valores que, por seu turno, têm origem nas crises económicas e políticas. Ora estes não são domínios de poder dos jovens, mas sim dos adultos.
Também sabemos o papel de modelo que qualquer educador, tutor ou pai/ mãe desempenham perante crianças ou jovens em formação. As atitudes dos adultos acabam por ser tomadas como exemplo a seguir pelos mais jovens, logo a nossa responsabilidade, enquanto educadores ganha um duplo significado.

BIBLIOGRAFIA
ROGERS, Carl R. ― Tornar-se Pessoa, Lisboa: Moraes
SENA, Jorge ― A Literatura Inglesa – Ensaio de Interpretação e de História. Lisboa, Cotovia, 1989
VIEIRA, Manuel ― Introdução, Tradução e Notas de O Rei Lear. Coimbra Editora, 1943

A MORTE E A MORTE DO TEATRO




Por Marco Farias
Frase recorrente na boca de profissionais das Artes Cênicas : o teatro está morrendo!

Morrendo onde? Na Europa? Nos EUA? Na Ásia? Na Groenlândia? Na China? No Nepal?

No Brasil atribui-se a "morte" do teatro à baixa frequência de público presente nos espetáculos em cartaz. Ora, e desde quando a frequência de público nos teatros tupiniquins teve um número capaz de ser qualificado como expressivo?

Proponho uma experiência : tente encontrar na Net ou na biblioteca de sua cidade ou escola, uma matéria sobre teatro numa revista ou jornal antigo. Da década de 50, por exemplo. Em seguida procure pelo o depoimento de algum ator, diretor ou produtor teatral.

Aposto uma rodada de Tequila que alguém estará reclamando da "ausência de público", da "falta de verbas" até finalmente proclamar a sentença apocalíptica : "O teatro está morrendo!"

Ou seja : a mais de meio século o teatro brasileiro "está morrendo". Que longa, interminável agonia!

Alías, afável leitorazinha, lembrei-me agora de um texto hilário do grande dramaturgo e comediante alemão Karl Valentim, que tinha entre seus discípulos o jovem Bertold Brecht. É um monólogo intitulado "Porque o Teatro Está Morrendo". Escrito, se não me falha a claudicante memória, na década de 30. Valentim tira um grande sarro propondo uma "solução" brilhante para resolver o problema da "morte" do teatro. Dá pra achar o texto na Net. E note que até na Europa, há mais de setenta anos anunciava-se a morte do teatro.

Uma manifestação de arte que nasceu com a civilização, que conta com pelo menos com três mil anos de idade não morre, não se dilui no ar assim sem mais nem menos. Até porque a necessidade da arte está irremediavelmente entranhada na alma humana. O homem -e a mulher, evidentemente - contemporâneo necessita do alimento espiritual que a arte lhe oferece tanto quanto o homem da idade média ou da Renascença.

Diz-se agora que a Tv representa a morte do teatro. Porque simplesmente "as pessoas" preferem ficar em casa vendo as patetices de um tal joão kleber ou uma cretinice global qualquer.

Bem, subestimar a inteligência da população brasileira não altera em absolutamente nada a trágica realidade de nossa miséria cultural. Não nos move um milímetro sequer do topo do pódium dos países mais analfabetos do planeta.

Se alguém "prefere" alguma coisa é porque optou entre duas ou mais possibilidades. Não existindo a possibilidade de opção não pode haver o exercício democrático do cidadão preferir isso à aquilo.

Ninguém, aposto agora duas rodadas de Tequila, "prefere" ficar em casa vendo lixo. Ninguém "prefere" ficar sentado impassível na sala de sua casa vendo e ouvindo uma gente tosca e sem graça derramar impunemente asneiras e sandices de toda espécie em seus ouvidos.

Claro, admito sim que o "ninguém" a que me refiro abriga em seu meio uma boa dose de exceções. Fazer o que? Há quem goste de salada de giló, por exemplo.

Um livro que vende míseros cinco mil exemplares é considerado no Brasil um best-seller. Cinco mil exemplares numa terra em que habitam duzentas milhões de almas! Será que a literatura está morrendo também?

Ou será que é porque as escolas brasileiras, do ensino básico à faculdade, não ensinam ninguém a ler? (aliás, reza a lenda que existem mais livrarias na cidade de Buenos Aires do que no Brasil todo. Torço para que não passe de lenda, mas não duvido).

Da mesma forma que Brasil não vai às livrarias porque não sabe ler, o Brasil não vai ao teatro porque não tem o hábito de ir ao teatro.

Porque, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, não se fala em teatro em nossas escolas, não se leêm textos dramatúrgicos em nossas escolas e nossos dramaturgos não constam dos currículos escolares. Porque não há estímulo e nem interesse em estimular o ensino de teatro nas nossas escolas. Porque nunca em nossa história houve a menor preocupação na formação de público. Público leitor, espectador de teatro ou consumidor de arte.

O Brasil, apesar da nossa enorme exubêrancia cultural, apesar de sermos um povo que possui uma abençoada vocação para as artes, é governado desde os primórdios de sua história por uma elite econômica e política que desde sempre tem cagado e andado pra cultura, pras artes e pra educação. Acham, entre risinhos sarcásticos e armações de gabinete, que educação e cultura é " coisa de boiola".

Goebels, ministro da propaganda de Hitler, dizia que "quando ouço falar em cultura, puxo logo o meu revólver". Os nossos goebels, quando ouvem falar em cultura puxam logo a televisão. Nossos goebels são " melhores" que os deles.

De volta ao teatro, persistente e graciosa leitorinha.

Por vezes tenho a desconfortável sensação, quando vou ver um espetáculo, de que o público é o mesmo que vi no outro teatro a semana passada. Lá estamos nós, quarenta ou cinquenta pessoas, ou um pouco mais, quando a peça é de sucesso. Ficamos zanzando pelo pátio do teatro ou pela ante-sala, nos olhamos disfarçadamente, meio cabreiros, pensando "já vi esse cara..." "conheço essa garota..." Às vezes até nos cumprimentamos com um leve aceno de cabeça ou um olhar. O espetáculo que antecede o espetáculo própriamente dito. Creio que mais algum tempo e seremos um grupo de bons amigos.

Ouvi um produtor de teatro afirmar durante uma conferência para a classe, que o número de pessoas consumidoras/espectadoras de teatro em São Paulo esteja por volta de 150 a 200 mil. Adotando-se o critério de considerar como espectador alguém que vá ao ao teatro pelo menos uma vez por mês. A Paulicéia Desvairada, com seus mais de doze milhões de habitantes, possui 200 mil que frequentam teatro. Porém, no entanto, contudo, temos agora, nesse exato momento em que cato milho no teclado do computador, 46 peças de teatro adulto e infantil em cartaz. Janeiro/fevereiro, baixa temporada, pouquíssimas estréias. Boa produção para pouco consumo.

O teatro está morrendo? Pra ser sincero, eu até gostaria de achar que sim. Seria mais confortável. Apaziguaria meus demônios.

Creio que a origem da nossa angústia é mais simples e detectável do que parece. Apenas escolhemos escrever ou ser artistas num país em que arte e cultura é menos que nada. Um país onde uma pessoa morre de fome a cada dez minutos. Um país onde a vida humana vale infinitamente menos que a taxa selic, a taxa de juros, o sistema financeiro, o superávit da balança comercial, o déficit primário, a saúde do mercado financeiro, a rolagem da dívida da previdência, os números da Bolsa...

Ei! Espera aí! Que tal falarmos sobre esse estado de coisas em nossas músicas, em nossas peças, nossos filmes, nossas telas, nossas esculturas, nosso textos, nossos livros, nossos poemas...

sexta-feira, dezembro 16, 2005

D. QUIXOTE: alter-ego de António José da Silva?



(Conferência «O QUIXOTE E O TEATRO», proferida na Sala de Actos da ESAP

15 de Dezembro de 2005

António José da Silva «o Judeu» (1705-1739)
Filho de gente de ascendência judia (o pai era advogado e chamava-se João Mendes da Silva e a mãe Lourença Coutinho), o moço António José, nascido no Rio de Janeiro em 8 de Maio de 1705, teve de acompanhar os pais para Lisboa, enviados pela Inquisição, aí sendo encarcerados em 1712.
António José estudou em Lisboa e formou-se em Direito em Coimbra, com apenas 24 anos.
Os outros filhos do casal, Baltasar e André, também foram, como os pais, encarcerados e torturados nas masmorras inquisitoriais, vendo-se espoliados de todos os seus bens.
Ainda estudante (em 1726), António José é preso pela primeira vez, acusado de levar uma vida pouco confinante com as regras da moral embora já então ele se esforçasse por parecer um católico praticante, e é condenado com «pena de cárcere e hábito penitencial perpétuo», obrigado a «ser instruído nos mistérios da fé», mas logrando sair da cadeia após o auto-de-fé realizado em 13 de Outubro desse mesmo ano. Três anos mais tarde (1729), sua mãe é novamente presa.
Dedica-se às letras e à advocacia, mas em 5 de Outubro de 1737 volta a ser detido juntamente com a mulher: é torturado e sentenciado à fogueira, tendo morrido num auto-de-fé em 18 de Novembro de 1739, com apenas 34 anos de idade. Deixa viúva Leonor Maria de Carvalho, a prima com quem casara em 1734.
Curiosamente, fora queimado por ser «judeu» e não por ser o autor das operetas que conheciam estrondosos sucessos no Teatro do Bairro Alto, mas de que a Inquisição ignorava a verdadeira autoria, como defende um dos seus mais atentos estudiosos[1].
A sua obra, magistral pela concepção que não pelo volume, inicia-se logo em 1733 com A Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança. No ano seguinte escreve Esopaida. Seguem-se então obras de inspiração greco-latina como Os Encantos de Medeia (1735), Anfitrião ou Júpiter e Alcmena e Labirinto de Creta, ambos de 1736. A sátira é uma constante na imaginação criadora do grande dramaturgo e a sociedade em que vive fornece-lhe temáticas de sobra. Não espanta, pois, que no ano de 1737 nos surja com Guerras do Alecrim e Manjerona, As Variedades de Proteu e o Precipício de Faetonte, esta já em 1738, que foi a sua última produção.
A sua obra foi postumamente reunida pelo seu amigo e editor Francisco Luís Ameno, sob o título Teatro Cómico Português.
Apenas o Labirinto de Creta, As Variedades de Proteo, e As Guerras do Alecrim e Mangerona foram publicadas em vida, nos prelos de António Isidoro da Fonseca, entre 1736 e 1737.
É-lhe ainda atribuída a autoria de Obras do Diabinho da Mão Furada.
Todas as óperas joco-sérias, como ele as classificou, foram representadas no alfacinha Teatro do Bairro Alto, deliciando as gentes que de vários estratos sociais ali acorriam para se verem ao espelho e deliciarem-se com as grotescas caricaturas das suas próprias taras e manias[2].
Tentando inovar, recupera a prosa dramática desaparecida desde Jorge Ferreira de Vasconcelos, rejeita os modelos estéticos clássicos, ridiculariza a sociedade do seu tempo mas também os padrões clássicos da estética do século que o precedeu e que, apesar de tudo, ainda era bastante cultivada nos saraus aristocráticos. Desrespeitou, por isso, e intencionalmente, os padrões aristotélicos, rejeitando as «consagradas» leis das unidades. Na verdade, o seu teatro procurava sobretudo desmitificar a produção teatral e criar um verdadeiro teatro português. Se não foi mais longe, tal ficou a dever-se tanto ao barroquismo que enformava os gostos da época como à curta existência de que desfrutou.
Com uma vida curta, deixou-nos mesmo assim uma obra que prenunciava já a magnitude do seu talento se a morte o não tivesse ceifado cruelmente e tão cedo. Camilo Castelo Branco, sensibilizado pelo seu sofrimento, haveria de dedicar-lhe um dos seus romances históricos, mas caberia já a um dramaturgo do século XX, Bernardo Santareno, a glória de colocar em teatro a biografia de António José da Silva, na peça que intitulou precisamente O Judeu e na qual alcança um dos mais elevados momentos da dramaturgia portuguesa de todos os tempos.
Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pança
«Vou a castigar insolentes, a endireitar tortos», assim definia D. Quixote o rumo da sua missão e esta foi igualmente a intenção de António José da Silva ao transpor para o teatro, de forma absolutamente livre, a famosa novela cervantina.
Tal como em Cervantes, também o D. Quixote do Judeu se afasta do modelo clássico do herói, assumindo-se mesmo como um protótipo do anti – herói. Frequentemente perde a razão e a lógica, confrontado com a própria realidade ou mesmo com os argumentos aparentemente idiotas de Sancho Pança. E não custa ver neste camponês tão ambicioso como ingénuo, tão boçal quão esperto, mas sempre impregnado de uma profunda sabedoria popular, uma espécie de antecipação do famoso Zé Povinho que Bordalo Pinheiro viria a criar século e meio mais tarde.
Se o sonho e a utopia estão presentes em D. Quixote, não é menos verdade que também Sancho acredita em promessas e apesar de os fados não o presentearem com a tão ambicionada ilha, não deixa de correr atrás da miragem, ao lado de seu amo, que ora critica, outras vezes ridiculariza e insulta, reconhecendo-lhe a doideira, mas que apesar de tudo segue de forma obediente. Como aquele cão que mesmo sendo por vezes mal tratado não deixa de ser fiel ao seu dono.
António Gedeão escreveu que «onde Sancho vê moinhos, D. Quixote vê gigantes», mas também Sancho Pança vê claramente o rio, o monte e a azenha e mesmo assim ainda crê que aquele barco da cena I do II acto poderá levá-lo à ilha de que será governador. Tal como antes, no Parnaso, se entusiasmara com Apolo e os poetas e ele próprio se envolvera na luta, ao lado de seu amo, para libertar Apolo dos poetas, aqueles que o deus confessa que «não são de nome; e contudo cada um cuida que é mais do que eu mesmo». E, aguçando a sua mordacidade, Sancho reconhece perante D. Quixote, com verrinoso acento: «que vossa mercê entre no Parnaso, não é muito, porque é louco; porém, eu, que, sendo um ignorante, também cá esteja, é o que mais me admira; e daqui venho agora a concluir que não há tolo que não entre hoje no Parnaso», reconhecendo pouco depois que «com esta gente sou eu gente».
Se toda a peça é uma crítica acerba contra o modo de vida coetâneo da aristocracia inculta e pretensiosa, é-o igualmente de outras classes sociais, tais como a burguesia e o próprio povo.
Ninguém está a salvo de críticas e entre aqueles que António José não perdoa, conta-se a plêiade de poetastros que enxameavam os salões e as academias da época, empoados de rendas e perfumes baratos com que desodorizavam as más letras.
Na peça se ridicularizam costumes mas também concepções de justiça e não raro a gargalhada nos estoura, espontânea, perante o burlesco de algumas situações e da linguagem que se solta, inesperada, da boca das personagens. É o caso da cena IV do II acto, quando Sancho reconhece haver várias modalidades de justiça:
SANCHO ― «… há justiça direita, há justiça torta, há justiça vesga, há justiça cega e finalmente há justiça com velidas e cataratas nos olhos».
E quando lhe apresentam um homem que misturou água em vinho, Sancho não hesita em decretar o seu enforcamento, «sem apelo nem agravo». Maria Parda não seria, por certo, mais cruel. E esta sentença remete-nos ainda para a crítica nas Obras do Diabinho da mão furada, onde se satirizam os que baptizam com água o vinho e o tornam santo.
Mais uma vez, quando Dulcineia se apresenta encantada, ao lado de Merlim, e o feiticeiro proclama que para desencantá-la terá Sancho de sofrer «trezentos açoites bem puxados», o criado logo observa, incrédulo e irreverente:
SANCHO ― Diga-me, senhor Merlim, que tem o meu cu com o desencanto da senhora Dulcineia?
As concepções vigentes de uma Moral hipócrita e de uma Política protagonizada por habilidosos cultores do ancestral «Chico-Espertismo» nacional constituíam o pano de fundo da obra do Judeu e em D. Quixote, como noutras comédias, constitui uma presença tão permanente e inquietante que o autor se via constrangido a ver representadas as suas peças sem que fosse divulgado o seu autor, evitando mais problemas do que aqueles que já então houvera sofrido.
Sancho, o «ícone» do povo, não decreta à mulher que foi enganada e quer casar com o «atrevido» que fugira sem se comprometer com ela, que fique agrilhoada até que apareça o homem com quem ela quer casar? Será ousado ver nesta crítica à justiça um exemplo do absurdo que então, como hoje, levava a condenações verdadeiramente insólitas? Em certa medida, este Sancho já «entronizado» como governador, remete-nos, na sua interpretação da justiça, para o Juiz da Beira, de Gil Vicente.
É a mesma sociedade da hipocrisia, da incultura e da frivolidade que nos aparece com retratos grotescos em Guerras do Alecrim e Mangerona. São os políticos quem pretende atingir-se quando Sancho, na eminência de vir a tornar-se Governador, é aconselhado por D. Quixote:
D. QUIXOTE ― Sancho, vê que vais a governar; olha que deves ter diante dos olhos a Justiça.
SANCHO ― Sim, senhor, eu logo a mando pintar e a porei diante dos olhos.
D. QUIXOTE ― Não te corrompas com dádivas.
SANCHO ― Eu me salgarei, para me não corromper.
D. QUIXOTE ― Sancho, em duas palavras: Amar a Deus, e ao teu próximo como a ti mesmo.
SANCHO ― Ámen.
Ora, são estes ámens que todos proferem indistintamente, muito embora tenham previamente fechado os ouvidos às regras de seriedade.
Sátira social com nítidos laivos de uma tradição vicentina que provavelmente estaria ainda no espírito de algum teatro que não teria deixado de representar-se nos pátios lisboetas, ambiguidade nos sentidos das palavras e das frases, sarcasmo disfarçado de ingenuidade e vestindo roupagens de sonhos, eis alguns dos muitos artifícios de que o Judeu se servia para passar a sua mensagem. Contudo, sempre trabalhando com bonecos como actores, não apenas porque esse era um tipo de teatro em voga, mas porque eram mais atenuadas as conotações das falas atribuídas aos bonifrates, evitando a ameaça da espada censória sobre as cabeças de actores de carne e osso.
Diga-se que O CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA de Cervantes nos surge em António José da Silva com uma figura bem menos triste, por vezes mesmo mais repentista, mais irónica, deixando nas entrelinhas muito do vinagre crítico de O Judeu.
Nas múltiplas situações criadas pelo genial dramaturgo, não se nos afigura estranha uma mesmo que velada influência de Molière. Com efeito, não é apenas a sociedade no seu todo que merece o gozo do Judeu, mas vislumbram-se mesmo proximidades caracterológicas com figuras do panteão dramático molieriano: Teresa Pança tem muito da Martinha de O Médico à Força, e Sancho poderia muito bem ser primo chegado de Esganarelo. Tal como o «Médico» que aconselha Sancho a «comer com temperança», porque «o muito comer estraga a natureza», merece do governador o epíteto de «asno».
MÉDICO ― Primeiramente, senhor Governador, há-de vossa mercê comer com parcimónia.
SANCHO ― Parcimónia é cousa de comer?
MÉDICO ― Parcimónia é comer com temperança.
SANCHO ― Isso de temperos pertence ao cozinheiro.
MÉDICO ― Temperança, por outro nome, é o mesmo que comer pouco e com regra; pois, conforme a melhor opinião dos modernos, o muito comer estraga a natureza.
SANCHO ― Ainda esta é pior! Ora digo-vos que sois um asno. O comer muito é proveitosos para a barriga, porque se enche.
Tão próximos estamos aqui das cruéis e mordazes diatribes de Molière contra médicos e cirurgiões do seu tempo, que parece que entre a França do século XVII e a Lisboa do século XVIII haveria menor diferença mental que temporal.
O D. Quixote de António José acaba vencido (mas não humilhado) às mãos de Sansão Carrasco: é a vitória do pragmatismo sobre a utopia idealista. Mas não será, igualmente, o reconhecimento por parte do Judeu, da inutilidade prática do seu combate contra forças bem mais poderosas? Mas, enquanto em Cervantes o seu herói termina abatido, cansado e triste, o D. Quixote lusitano não deixa ficar essa impressão e mantém mesmo (por omissão) a hipótese de que se trata apenas, no fim da peça, de uma espera por melhor oportunidade para um regresso ao combate. Mesmo que Sancho proclame, no final:
SANCHO ― Tão alegres que viemos, e tão tristes que tornamos.
Estes versos, porém, não têm correspondência lógica com as réplicas que os antecedem. Veja-se que após vencer D. Quixote, Sansão Carrasco intima o cavaleiro a recolher-se em sua casa, não tomando armas, pelo espaço de dez anos.
Estaria António José da Silva esperando retomar o tema? Ou apenas crente que algo mudaria, no futuro, que permitisse a D. Quixote/Judeu retomar o seu combate?

Concluindo: tendo em conta as personagens das várias comédias do Judeu e a sua própria biografia (nomeadamente a luta que empreende aquando da sua primeira prisão no cárcere inquisitorial), bem como os alvos que pretendia atingir com as suas críticas mordazes, em nenhuma outra nos parece podermos encontrar alguém que, como D. Quixote, encarne tão perfeitamente a figura de um altar-ego de António José da Silva. Ao mesmo tempo que não temos quaisquer dúvidas em poder vislumbrar-se em Sancho Pança a consciência de autocrítica que o poeta e dramaturgo naturalmente não deixaria de retratar.
Sendo António José da Silva, por nascimento, uma figura que se destaca do vulgar plebeu, amigo de nobres e de intelectuais (como o Conde da Ericeira e o futuro Cavaleiro de Oliveira, entre outros), assumindo-se como o fidalgo D. Quixote, entronca as suas raízes mais profundas na plebe, que como poucos conhece, e cria um Sancho Pança entrosado na arraia-miúda com que diariamente se cruza nas suas andanças por Lisboa e pelo Bairro Alto.
FERNANDO PEIXOTO
[1] — AZEVEDO, Lúcio de — «O poeta António José da Silva e a Inquisição», in Novas Epanáforas – Estudos de história e literatura. Lisboa: 1932.
[2] — José de Oliveira BARATA discorda que as plateias do Teatro do Bairro Alto incluíssem as classes baixas, com base no argumento de que ali era o local escolhido pelos nobres para «construírem os seus palácios», não o considerando, por isso, um «comediógrafo popular». Cf. História do Teatro Português. p. 226.

sexta-feira, dezembro 09, 2005

OS MALEFÍCIOS DA PATAFÍSICA


Los maleficios de la Patafísica, II Parte
O el Doctor Marcos Rosskoff ataca de nuevo
«Invejo o rato que vive debaixo do chão do teatro»
A. Tchékhov a Olga Knipper

"Pediram a minha mulher que eu viesse aqui fazer uma conferência, para fins beneficentes, sobre um assunto qualquer." (1)

Estimados amigos Patafísicos es con enorme alegría que vuelvo a este sympósion para convivir en este nuevo encuentro y analizar nuevamente las nuevas perspectivas de la Patafísica…
La conferencia de hoy se encuentra sin duda marcada por dos grandes acontecimientos uno que viene del pasado y otro que se prepara hoy y va hacia el futuro.
Cuando hablo del pasado me refiero sin lugar a dudas al terremoto de 1755, que asoló Lisboa hace 250 años. El hecho que ese acontecimiento haya ocurrido en la víspera de día de difuntos hasta parece un chiste de mal gusto pero la historia es así…tejeremos algunas consideraciones filosóficas y éticas sobre este acontecimiento pues no podemos quedarnos atrás ni adelante… debemos acompañar a los sublimes filósofos del pasado como Emmanuel Kant por ejemplo que dedicó algunas sublimes líneas sobre este movimiento telúrico.
Hoy sabemos que es en la falla o grieta denominada más tarde como falla del Marques de Pombal que todo parece haber empezado y si reparamos que fue precisamente esa falla la que dio un nuevo rostro a Lisboa no podemos nuevamente dejar de subrayar esta ironía. …si Lisboa era en ese tiempo una ciudad única en el mundo y en Europa no lo dudamos, lo que no dudamos hoy es que esa misma ciudad hoy pasados 250 años en algunos aspectos se encuentra más atrasada y sombría que algunas de otros continentes…
También hay otros acontecimientos más recientes que no podemos olvidar y esos son las elecciones municipales… debo decir a vuestras excelencias que no siendo un hombre político y mucho menos un político profesional, me aventuré a aceptar dos convites que me fueron dirigidos por dos candidatos a presidencias de cámaras y que después de algunas ponderaciones acabé por aceptar…
Me refiero ( y espero que me perdonen pero no daré el nombre de esas personas) a dos candidatos, que garantizo según pude apreciar representaban al parecer el interés de sus apoyantes.
La primera candidata (porque era una señora) se había ausentado unos tiempos del territorio nacional para realizar un estagio en una conocida república sudamericana, una de aquellas a que los europeos tan gentil y eufemísticamente llaman, república de las bananas, la verdad es que las republicas de América del Sur son 20 a las cuales los inventores del siglo de las luces adicionaron una más.
Fue con ese intuito y siempre tratando de no mezclar la política con la Patafísica decidí que la conferencia versaría sobre los problemas económicos asunto que mucho agradó a nuestra candidata… el título dado fue Autopsia Diacrónica del Caballo de las Finanzas (debo recordar a mis queridos amigos que esta conferencia había sido ya expuesta con gran éxito en la Universidad de Asuntos Patológicos de Bratislava en un encuentro internacional sobre asuntos diacrónicos universales) pero dejemos esto… fue en el momento que yo iniciaba la conferencia que;
(el conferenciante es interpelado por parte de la audiencia:
O senhor vem da parte de quem ?)
Fue esa exactamente la pregunta que me hicieron y la pregunta venía con cierto entusiasmo desde los apoyantes..
Yo vengo de parte de la verdad fue lo que respondí, y no dejando, claro, de dar un pizcar de ojos a mi candidata a presidente
Explique que el caballo de finanzas de Mestre Ubu era una imagen tan interesante y que aplicada a las realidades del país de hoy era la mejor solución para todos nuestros problemas… el caballo de finanzas es como el caballo de D. Quijote es un caballo que ya era , esto es un rocín –antes, pero que a pesar de su flaca figura consigue soportar lealmente los embates de su jinete… qué imagen más bella que esta para asociarla a nuestro pobre y escuálido pueblo, que soporta estoicamente con los embates del gobierno. Y por eso mismo nos lanzamos a una autopsia pormenorizada y exhaustiva de nuestro caballo de finanzas. Finalmente analizados todos los tránsitos intestinales y analizada también toda su escatología concluimos que estaba irremediablemente muerto.
Acabada la autopsia los apoyantes a la candidata quedaron más apoyantes y ella fue reelegida. Cuando partí esa tarde, aun desde lejos la podía ver dirigiéndome un saludo cortés que venía de los tiempos, cual generala-gladiadora de Roma o de la ciudad de Alba, Horacia o Curiacia , con su brazo levantado, una Teodora sin su Teodoro una Justiniana sin su Justiniano una Evita sin su Perón.. . pero dejemos eso… debo decirles que además de toda la generosidad mostrada me hicieron hijo ilustre de ese lugar cuyo nombre no quiero nombrar… (más tarde les mostraré las condecoraciones)
El otro candidato ya era más aéreo y me convidó sabiendo de mis conferencias de altos vuelos. En esa oportunidad decidí hablar de Las analogías e incongruencias de los territorios territoriales, visto que a este candidato nada más le interesaba que pasear de helicóptero… la conferencia no tuvo lugar pues en el preciso momento que nos preparábamos para aterrizar después de un corto vuelo, un pájaro chocó con la hélice del helicóptero y casi, casi que íbamos de esta para mejor… debo recordarles que este pájaro de mal augurio echó por tierra mis posibilidades de una nueva conferencia patafísica en un terreno aun no explotado… también debo recordarles mis queridos amigos Patafísicos que la palabra augurio no significa otra cosa que interpretar la realidad a partir del vuelo de las aves… la verdad es que el futuro para este candidato no se reveló tan provisor pues terminó por perder la elección y abandonar (por lo menos hasta lo que sé hoy la carrera política) sin embargo debo reconocer que en un gesto muy bonito como el de su colega me nombró hijo ilustre de esa ciudad y me envió recientemente esta carta que ahora leeré para vuestras excelencias… (mientras tanto el ayudante va al escenario para mostrar las condecoraciones)
Estimados amigos he aquí la carta de nuestro segundo candidato… (después de leer) al final no es una carta es una factura para ayudar a pagar los gastos del helicóptero…
(pregunta de la platea)…(2)
(gritando) Yo vengo en nombre de la verdad y del conocimiento…
Estoy aquí como Sócrates… el viejo, no como el nuevo, y afirmo, el "solo sé que nada sé" es la frase más patafisica de todos los tiempos… así como existió Plinio el viejo que murió intoxicado en el volcán del Vesubio y también un Plinio, el novo así mismo existió un Sócrates viejo y uno joven…el viejo ya sabemos como murió… del joven tendremos noticias por algún tiempo
Estimados amigos Patafísicos… debo confesarles que la aparición de esa ave fue como que una pesadilla que no me ha dejado dormir desde ese día, a pesar de eso ya he escrito dos nuevas conferencias … De los maleficios de las aves , y El regreso de la peste rumana … quiero confesarles caros amigos patafísicos que a pesar del riesgo que representa esta peste no podemos estar de acuerdo con algunas medidas que ya se hacen sentir y que empiezan a aparecer para controlar una posible pandemia… estamos contra la cinemateca de la capital que ya prohibió la exhibición de películas como El Halcón Maltés (Reliquia Macabra título en Portugal) o Los Pájaros de Hichtcokc, contra el ministerio de educación que quiere prohibir en las escuelas e infantarios que se canten canciones como "doidas doidas andam as galinhas…" "papagayo louro de bico doirado…" así como estamos contra el ministerio de la cultura y los teatro de provincias que quieren cancelar óperas como La gazza ladra de Rossini o El lago de los cisnes de Tchaikovsk, también estamos contra la conferencia episcopal que este año no realizará la tradicional misa do galo, creo que estamos exagerando y eso no es bueno para nadie… quiero citarles una de las mas bellas páginas de nuestro Voltaire que define la sociedad de las gallinas como una de las más perfectas:
" Um galinheiro é visivelmente o mais perfeito dos Estados monárquicos. Não há rei que se compare a um galo. Este se marcha altivamente no meio do seu povo não é por vaidade que o faz. Se o inimigo se aproxima, não dá ordem aos seus súbditos para irem fazer-se matar por ele, em virtude da sua infalível ciência e omnipotência; vai ele próprio, agrupa as suas galinhas atrás de si e combate até à morte. Se sai vencedor, é ele que canta o Te Deum. Na vida civil, ninguém é tão galante tão honesto, tão desinteressado! " (3)

A pesar de esto sabemos que las aves ya habían causado estragos en la humanidad desde tiempos muy, remotos para que recordarles el águila o buitre, depende de la versión, en el Mito de Prometeo, o del pollo que comió el amante de Alejandro, Hefestión, que le iría causar la muerte…les contaré la versión histórica de Plutarco " ocurrió en aquellos días que a Hefestión le dio calentura, y como a fuerza de joven y militar no quisiese sujetarse a la debida dieta, y además su médico Glauco se hubiese ido al teatro, se sentó a comer a la mesa, y habiéndose comido un pollo asado y bebídose un gran vaso de vino puesto a enfriar, se sintió mucho peor, y al cabo de poco tiempo murió". Cuenta luego Plutarco que la pesadumbre de Alejandro por la muerte de su camarada no conoció limites. Pero debemos también mirar hacia el pasado y ver las bellas imágenes que nos dejaron las aves; la paloma en Noé… el pavo real en los jardines persas… y porque no también el jugueteo amoroso de Zeus, el cisne y Leda o aquella bella imagen patafísica "un cerebro realmente original funciona como el estómago del avestruz: todo le sirve, pulveriza guijarros y retuerce trozos de hierro "… mas dejemos esto…
Actualización cronológica de esta conferencia;
1893 Père UBU inventa la ciencia de las ciencias: La Patafísica
1911 publicación de Gestes et opinions du Docteur Faustroll, pataphysique
1960, 21 de Mayo terremoto no Chile, 9,5 en la escala de Richter, tenía el Profesor Marcos Rosskoff 8 años
18/19 y 20 de Marzo de 2002 primer encuentro Patafisico en la ciudad de Oporto,
22 de Octubre de 1906 muere Cézanne después de haber apanhado uma molha ,
22 de Octubre de 2005 muere un papagayo en el Reino Unido,
Octubre de 2005 Paris está a arder, y no es el título de una película…
10 de Noviembre de 2005 Japón/Tokio uma marca de lingerie feminina apresentou um soutien que pode ser aquecido no microondas e proteger as mulheres contra o frio, em resposta ao apelo do Governo para reduzir os gastos em aquecimento
7 de Diciembre de 2005 hoy la bolsa abrió con sentimiento positivo

(pregunta desde la platea)
Del tiempo, del viejo y joven tiempo, de parte de Cronos y Kairós… déjenme leerles un pequeño trecho del monólogo del tiempo de la obra El cuento de Invierno de W. Shakespeare : " Eu que agrado a alguns, que ponho todos à prova, que sou a mesmo tempo a alegria e o terror dos bons e dos maus, que faço e desfaço o êrro, convén-me agora, em minha qualidade de Tempo, usar as minhas asas "…
Se preguntarán que tiene esto a ver con mi conferencia y yo les respondo; nada, porque aquí nada tiene a ver con nada y todo con todo…
(pregunta desde la platea)
De parte de mi mujer, la sobrina de Natalia Semionovna; "conhecem …: aquela Natalia Semionovna que sofre de reumatismo e tem um vestido amarelo, salpicado de manchas pretas que parecem baratas… em casa dela até se servem acepipes; e quando a minha mulher não está sempre se bebe um bocadito…devo em todo caso dizer a V. Excelências que a minha mulher tem uma escola de música e um pensionato particular, ou talvez mais exactamente, não é bem um pensionato, mas qualquer coisa no género …esqueci-me de dizer a V. Excelências que na escola de música de minha mulher, além das particularidades domesticas, eu tenho a meu cargo o ensino das matemáticas, da física, da química, da geografia, da história, do solfejo, da literatura, etc. Para as danças, o canto e o desenho a minha mulher ministra os rudimentos, embora seja eu, igualmente, quem ensina essas matérias … Mas deixemos isso. " (4)
Finalmente quiero convidarlos estimados amigos patafísicos a que al abandonar esta sala firmen como adherentes a mi candidatura a la Presidencia de la República, el programa de gobierno se encuentra a la venta por cinco Kopécks (esto es cinco euros) entre todas las promesas está la más importante; luchar por la creación de un Ministerio de la Patafísica y por la creación y celebración del Día Mundial de la Patafísica.
Estimados amigos debo abandonar esta sala pues mi mujer esta ahí esperándome. Quiero agradecerles por la atención que me prestaron y por el entusiasmo con que oyeron mis palabras. Quería terminar con una expresión en latín si no comprenden lo que significa no se preocupen porque yo también no lo sé. Tenho dito;
"Dixi et animam levavi" (5)

KONIECK
Novembro de 2005

Notas
1,4 e 5 ― Os malefícios do tabaco de Antón Tchekov
2 ― la pregunta desde la platea es siempre la misma. «O senhor vem da parte de quem?»
3 ― Voltaire, Dicionário Filosófico
Al inicio el conferenciante mostrará los elementos que son esenciales para esta conferencia, sobre la base de luz del retroproyector el conferenciante colocará los objectos que proyectarán su silueta sobre la pantalla; un reloj mudo que recuerde a los de Beckett, un metrónomo (la voz del reloj), un nariz postizo con anteojos, una manzana, un pequeño espejo de mano, sobre la mesa del conferenciante un helicóptero de papel, naif.