Por Marco Farias
Frase recorrente na boca de profissionais das Artes Cênicas : o teatro está morrendo!
Morrendo onde? Na Europa? Nos EUA? Na Ásia? Na Groenlândia? Na China? No Nepal?
No Brasil atribui-se a "morte" do teatro à baixa frequência de público presente nos espetáculos em cartaz. Ora, e desde quando a frequência de público nos teatros tupiniquins teve um número capaz de ser qualificado como expressivo?
Proponho uma experiência : tente encontrar na Net ou na biblioteca de sua cidade ou escola, uma matéria sobre teatro numa revista ou jornal antigo. Da década de 50, por exemplo. Em seguida procure pelo o depoimento de algum ator, diretor ou produtor teatral.
Aposto uma rodada de Tequila que alguém estará reclamando da "ausência de público", da "falta de verbas" até finalmente proclamar a sentença apocalíptica : "O teatro está morrendo!"
Ou seja : a mais de meio século o teatro brasileiro "está morrendo". Que longa, interminável agonia!
Alías, afável leitorazinha, lembrei-me agora de um texto hilário do grande dramaturgo e comediante alemão Karl Valentim, que tinha entre seus discípulos o jovem Bertold Brecht. É um monólogo intitulado "Porque o Teatro Está Morrendo". Escrito, se não me falha a claudicante memória, na década de 30. Valentim tira um grande sarro propondo uma "solução" brilhante para resolver o problema da "morte" do teatro. Dá pra achar o texto na Net. E note que até na Europa, há mais de setenta anos anunciava-se a morte do teatro.
Uma manifestação de arte que nasceu com a civilização, que conta com pelo menos com três mil anos de idade não morre, não se dilui no ar assim sem mais nem menos. Até porque a necessidade da arte está irremediavelmente entranhada na alma humana. O homem -e a mulher, evidentemente - contemporâneo necessita do alimento espiritual que a arte lhe oferece tanto quanto o homem da idade média ou da Renascença.
Diz-se agora que a Tv representa a morte do teatro. Porque simplesmente "as pessoas" preferem ficar em casa vendo as patetices de um tal joão kleber ou uma cretinice global qualquer.
Bem, subestimar a inteligência da população brasileira não altera em absolutamente nada a trágica realidade de nossa miséria cultural. Não nos move um milímetro sequer do topo do pódium dos países mais analfabetos do planeta.
Se alguém "prefere" alguma coisa é porque optou entre duas ou mais possibilidades. Não existindo a possibilidade de opção não pode haver o exercício democrático do cidadão preferir isso à aquilo.
Ninguém, aposto agora duas rodadas de Tequila, "prefere" ficar em casa vendo lixo. Ninguém "prefere" ficar sentado impassível na sala de sua casa vendo e ouvindo uma gente tosca e sem graça derramar impunemente asneiras e sandices de toda espécie em seus ouvidos.
Claro, admito sim que o "ninguém" a que me refiro abriga em seu meio uma boa dose de exceções. Fazer o que? Há quem goste de salada de giló, por exemplo.
Um livro que vende míseros cinco mil exemplares é considerado no Brasil um best-seller. Cinco mil exemplares numa terra em que habitam duzentas milhões de almas! Será que a literatura está morrendo também?
Ou será que é porque as escolas brasileiras, do ensino básico à faculdade, não ensinam ninguém a ler? (aliás, reza a lenda que existem mais livrarias na cidade de Buenos Aires do que no Brasil todo. Torço para que não passe de lenda, mas não duvido).
Da mesma forma que Brasil não vai às livrarias porque não sabe ler, o Brasil não vai ao teatro porque não tem o hábito de ir ao teatro.
Porque, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, não se fala em teatro em nossas escolas, não se leêm textos dramatúrgicos em nossas escolas e nossos dramaturgos não constam dos currículos escolares. Porque não há estímulo e nem interesse em estimular o ensino de teatro nas nossas escolas. Porque nunca em nossa história houve a menor preocupação na formação de público. Público leitor, espectador de teatro ou consumidor de arte.
O Brasil, apesar da nossa enorme exubêrancia cultural, apesar de sermos um povo que possui uma abençoada vocação para as artes, é governado desde os primórdios de sua história por uma elite econômica e política que desde sempre tem cagado e andado pra cultura, pras artes e pra educação. Acham, entre risinhos sarcásticos e armações de gabinete, que educação e cultura é " coisa de boiola".
Goebels, ministro da propaganda de Hitler, dizia que "quando ouço falar em cultura, puxo logo o meu revólver". Os nossos goebels, quando ouvem falar em cultura puxam logo a televisão. Nossos goebels são " melhores" que os deles.
De volta ao teatro, persistente e graciosa leitorinha.
Por vezes tenho a desconfortável sensação, quando vou ver um espetáculo, de que o público é o mesmo que vi no outro teatro a semana passada. Lá estamos nós, quarenta ou cinquenta pessoas, ou um pouco mais, quando a peça é de sucesso. Ficamos zanzando pelo pátio do teatro ou pela ante-sala, nos olhamos disfarçadamente, meio cabreiros, pensando "já vi esse cara..." "conheço essa garota..." Às vezes até nos cumprimentamos com um leve aceno de cabeça ou um olhar. O espetáculo que antecede o espetáculo própriamente dito. Creio que mais algum tempo e seremos um grupo de bons amigos.
Ouvi um produtor de teatro afirmar durante uma conferência para a classe, que o número de pessoas consumidoras/espectadoras de teatro em São Paulo esteja por volta de 150 a 200 mil. Adotando-se o critério de considerar como espectador alguém que vá ao ao teatro pelo menos uma vez por mês. A Paulicéia Desvairada, com seus mais de doze milhões de habitantes, possui 200 mil que frequentam teatro. Porém, no entanto, contudo, temos agora, nesse exato momento em que cato milho no teclado do computador, 46 peças de teatro adulto e infantil em cartaz. Janeiro/fevereiro, baixa temporada, pouquíssimas estréias. Boa produção para pouco consumo.
O teatro está morrendo? Pra ser sincero, eu até gostaria de achar que sim. Seria mais confortável. Apaziguaria meus demônios.
Creio que a origem da nossa angústia é mais simples e detectável do que parece. Apenas escolhemos escrever ou ser artistas num país em que arte e cultura é menos que nada. Um país onde uma pessoa morre de fome a cada dez minutos. Um país onde a vida humana vale infinitamente menos que a taxa selic, a taxa de juros, o sistema financeiro, o superávit da balança comercial, o déficit primário, a saúde do mercado financeiro, a rolagem da dívida da previdência, os números da Bolsa...
Ei! Espera aí! Que tal falarmos sobre esse estado de coisas em nossas músicas, em nossas peças, nossos filmes, nossas telas, nossas esculturas, nosso textos, nossos livros, nossos poemas...
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