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sábado, janeiro 19, 2008

CALE-SE - FESTIVAL DE TEATRO 2008



Vai decorrer entre 19 de Janeiro e 15 de Março a segunda edição do festival “CALE-se”, organizado pelo Cale Estúdio Teatro, por ocasião do seu 22.º aniversário.


Os espectáculos terão lugar aos sábados, pelas 21.45 horas, na Associação Recreativa de Canidelo (Rua do Meiral, 51 - junto aos 4 Caminhos), em Canidelo, Vila Nova de Gaia.


O festival, de carácter competitivo, tem a participação de sete espectáculos a concurso e um extra-concurso, que encerra o evento, antecedendo a sessão de entrega de prémios.


Na edição de 2008, o CALE-se terá como patrona a actriz Adelaide João, que estará presente na sessão de abertura.


PROGRAMA DEFINITIVO


19 de JaneiroAbertura do Festival com a presença da patrona 2008 – a actriz ADELAIDE JOÃO

“A CANTORA CARECA”Aquilo Teatro (Guarda)

26 de Janeiro“AS GUITARRAS DE ALCÁCER QUIBIR”ATA – Acção Teatral Artimanha (Pinhal Novo, Palmela)

2 de Fevereiro“CASAL ABERTO”TAL – Teatro Amador de Loureiro (Oliveira de Azeméis)

9 de Fevereiro“O ÚLTIMO BAILE DO SR. JOSÉ CUNHA”TAPE – Teatro Amador de Pedroso (V. N. Gaia)

16 de Fevereiro“O PAÍS DOS DECRETOS”Teatro Olimpo (Ansião)

1 de Março“A VERDADEIRA HISTÓRIA DE ANDREIA BELCHIOR”Opsis em Metamorphose (Cabeção, Mora)

8 de Março“ROMEU & JULIETA”Grupo de Teatro Contra Senso (Lisboa)

15 de Março“UMA VIAGEM PARA LÁ DO FIM”Companhia de Teatro Poucaterra (Entroncamento) - Espectáculo Extra-concurso
SESSÃO DE ENCERRAMENTO E ENTREGA DOS PRÉMIOS

CALE-ASSOCIAÇÃO CULTURAL DE ACTORES

Rua do Meiral, 514400-501 V. N. GaiaTlm. 911 062 216 – 963 697 254

sexta-feira, janeiro 18, 2008

DO ANIMISMO À MAGIA ( ii )

AOS LEITORES DESTE BLOG
Dada a receptividade ao texto sobre a História do Teatro anteriormente publicado, informamos que iremos continuar a publicar esta temática, de forma mais sistemática.
A todos quantos nos incentivaram, um enorme abraço de reconhecimento.

Do animismo à magia
Ainda hoje, nas comunidades aborígenes, o Homem sente-se simultaneamente uma parte integrante da natureza, mas também sua vítima, quando ela, nem sempre pródiga, lhe lança os mais terríveis desafios.
Para o homem primitivo, as forças ocultas que pareciam manipular a natureza constituíam enigmas e ameaças que importava decifrar e atenuar. Daí a crença nos deuses ignotos que tudo controlavam e tornavam o homem indefeso perante os seus imensos e desconhecidos poderes, perante as suas «fúrias». A tribo buscava então aplacar essas «iras» através de rituais e sacrifícios que pudessem «acalmar a fúria dos deuses». Noutros casos, implorava mesmo os seus favores para caçadas ou batalhas.
Dos múltiplos mistérios da existência, a Morte era o maior de todos os inimigos (e enigmas) do Homem, parecendo espreitá-lo em cada sombra da floresta, em cada precipício, em cada predador. Mas eis que ele descobre o Fogo e com isso dá um passo gigantesco no seu desenvolvimento. Modifica substancialmente a sua dieta alimentar, com isso provocando significativos avanços no seu desenvolvimento. O poder do fogo permite-lhe ainda afastar os animais selvagens, defender-se das suas ameaças e até atacá-los, vencer o frio, partilhar em colectivo o ambiente agora mais acolhedor da caverna. Esta era, sem dúvida, a mais importante dádiva dos deuses a que ele tinha de responder com a gratidão de quem está consciente do bem que adquirira.
A religião terá nascido como consequência de tudo isto, do medo e da necessidade de o vencer, da consciência da existência de forças tão poderosas como desconhecidas e da imprescindibilidade de as aplacar, do apelo ao favor dessas forças, do apelo ao sucesso nas caçadas, do apelo à sobrevivência na luta constante para prolongar a Vida retardando a Morte.
Ele já está consciente de que isolado é frágil e vulnerável, mas em grupo pode ultrapassar muitas das suas fraquezas e dificuldades. E se isto é verdade na luta pela sobrevivência, torna-se igualmente verdade no culto às divindades. É importante que o grupo se proteja e por isso encontra formas de, colectivamente, gerir a sua comunicação com os deuses: nasce o ritual mágico, no qual ele mima o homem, os animais, os elementos, recorrendo ao gesto, à voz, ao corpo, à dança, pintando-se ou mesmo mascarando-se. Mima cenas do seu quotidiano, grita, gesticula, dança, canta, em suma: comunica com os deuses. Este ritual, que não é ainda teatro, irá mais tarde assumir contornos que o levarão posteriormente ao «espectáculo», em rituais que já possuem «coreografias», que já integram «personagens» representando diferentes papéis na comunicação religiosa.
Será, pois, com os primeiros actos de religiosidade que nascerá o espectáculo teatral. O teatro aparece pela via da representação gestual e oral de passagens dos livros sagrados. No Egipto como em Creta, na Mesopotâmia como na Palestina, na Índia como na Grécia, as primeiras manifestações teatrais terão nos mitos e nos deuses a sua primacial motivação. Mesmo na Idade Média, o teatro só logrará trilhar os caminhos do profano depois de se autonomizar das representações litúrgicas de cenas bíblicas.


Milhares e milhares de anos decorreram entre as primeiras comunidades e aqueloutras que se iniciaram na pintura das cavernas e das rochas. Muitos milhares de anos se passariam ainda até surgirem as primeiras manifestações teatrais organizadas. Em qualquer dos casos, no entanto, era a existência nas suas múltiplas facetas que, através do homem, se representava a si mesma.
«Não é também teatral a sociedade, e a existência não se revela desdobrando-se para se representar a si própria», como perguntou Jean Duvignaud?
FERNANDO PEIXOTO

quarta-feira, janeiro 09, 2008

O TEATRO É ANTERIOR À HISTÓRIA ? ( I )

Breve explicação: A partir de agora e correspondendo a diversos pedidos, iremos publicando pequenos excertos para uma História do Teatro, adaptados da nossa obra HISTÓRIA DO TEATRO NO MUNDO.



«A Arte é a ideia da obra, a ideia que existe sem matéria» -Aristóteles


Há milhões de anos, o antropóide, talvez para fugir do perigo ou apenas para procurar alimento, deixou a braqueação e desceu para o solo. Optou momentaneamente pela posição erecta. Os seus correligionários terão aberto as peludas bocas de espanto. Optando pelo bipedismo, o antropóide descobria de súbito infinitas possibilidades neste novo meio de locomoção. E os outros, ainda postados nos ramos, acabariam por imitá-lo.
A imitação terá sido então, com toda a probabilidade, o primeiro lampejo de inteligência desse ser que, via australopithecus, se tornou o homo erectus e, bem mais tarde, o sapiens que hoje somos.
Mas a evolução é um fenómeno de longa duração. Milhões de anos decorrerão até que surja o homem primitivo, já então detentor de imensos recursos comunica­tivos, sem os quais lhe teria sido impossível sobreviver. Sem esses mecanismos comunicativos, sem a interajuda que lhe é proporcionada pelos que com ele coabitam, a sua fragilidade face ao ambiente difícil em que se desenrolava a sua existência condená-lo-ia desde logo à extinção. Por isso, só poderia superar as dificuldades que se lhe deparavam mediante o apoio numa comunidade e na solidariedade do grupo. Mas a vivência em comunidade implica sempre a necessidade de comunicação e esta, por sua vez, obedece a regras, a uma «semântica» que é suposto ser dominada pelo grupo, sem o que a comunidade não subsistirá.
O nosso homem primitivo comunica ainda por sons e por gestos, utiliza primeiramente o seu próprio corpo, cria a «semiótica» do gesto, improvisa sons com o seu aparelho fonador, torna-se receptor às mensagens do grupo, através das mecânicas visual e audi­tiva.
É óbvio que nesta fase ─ quase instintiva ─ o homem primitivo repro­duz já emoções, reflecte, por imitação, os perigos circundantes, exorciza os medos, comunica com os deuses e tenta influenciá-los em seu favor. O rito do grupo ou do clã torna-se uma forma necessária para vencer as suas próprias fraque­zas, integrando a força e a dinâmica do colectivo na superação da fragilidade individual.
Pela via da mímica, do gesto, do canto, da dança, o sonho humano da auto-superação vai ganhando consistência e o homem aprende a conviver com o perigo, a enfrentá-lo e a vencê-lo. Graças, como vimos, a um conjunto de recursos que grosso modo podemos identificar como os alicerces da expressão dramática.
Dia após dia descobre novas potencialidades, recorre às mais variadas formas expressivas, interroga o espaço que o envolve e aprende lentamente a integrar-se no meio, com ele se solidariza e dele recebe a neces­sária contrapartida do conhecimento, através de um complexo fenómeno de so­ciabilização, sem o qual a evolução da sua espécie estaria irremediavelmente comprometida.





A expressão dramática: o «berço» do teatro

A História do Teatro confunde-se com a própria história da evolução do Homem.
Antes do aparecimento do Teatro escrito e com regras perfeitamente definidas, já o ser humano havia ensaiado acções dramáticas no seu quotidiano de itinerância, nas preparações das caçadas, na vivência em pequenas comunidades ou nos rituais com que exorcizava medos ou formulava desejos e apelos aos seres ignotos que «comandavam» o destino dos homens.
O desconhecimento dos fenómenos naturais (o dia e a noite, as chuvas e as tempestades, as secas e as glaciações, a vida e a morte) careciam de explicações e a imaginação humana era suficientemente criativa para encontrá-las: certamente eram forças poderosíssimas as responsáveis por estes fenómenos e havia que aplacar a fúria dos elementos, invocando o favor dessas entidades misteriosas.
Sabe-se que a tendência do homem para a imitação é algo de inato e as próprias crianças iniciam o seu desenvolvimento imitando o mundo que as envolve. O Homem primitivo não seria por certo muito diferente, e a comunicação que estabelecia com os outros seres da comunidade ter-se-ia iniciado pela linguagem gestual, balbuciando primeiro alguns sons, depois articulando-os num código que acompanhava o gesto e assim tornava possível codificar a mensagem que pretendia transmitir.
O som da sua voz e os gestos do seu corpo tornavam-se, pois, importantes ferramentas na convivência do clã.


Não será então correcto dizer-se, de forma simplista, que o Teatro nasceu com o próprio Homem. O que provavelmente terá acontecido, foi o aparecimento de formas de expressão dramática, como meio de comunicação, de comparticipação no grupo, em rituais ou mesmo no ensaio de estratégias de caça ou de luta, quiçá mesmo de práticas de exorcismo para espantar medos e perigos sempre à espreita do nosso homem primitivo.
Há pois que perceber que «Expressão Dramática» e «Teatro» não são a mesma coisa, embora a primeira possa ─ e é normal que assim suceda ─ conduzir à segunda. Se observarmos atentamente os primeiros passos expressivos de uma criança, apercebemo-nos sem dificuldade que as suas necessidades de comunicação e de exteriorização dos sentimentos passam por exibições expressivas a que, sem pejo, chamaríamos de «paradramáticas».
Também o homem primitivo terá «ensaiado» algumas formas de expressão e com elas terá «jogado» o seu destino, individual e colectivo, na luta pela sobrevivência.
As comunidades primitivas aprendiam a defender-se cada vez melhor da natureza, tantas vezes hostil, que os rodeava. Mas também da fúria predadora dos animais. Ou, ainda, da agressividade de outras comunidades que disputavam territórios ou frutos de caçadas. Esta aprendizagem passava já pela percepção da necessidade da coordenação de movimentos e de esforços ensaiados previamente.
O homem «mima», o homem «joga», o homem «ensaia» formas de se defender e de atacar.
A expressão dramática surge, assim, de forma natural e impulsionada pelo instinto. Depois veio a consequência natural dos resultados obtidos com estas aprendizagens.
É hoje reconhecido que a expressão dramática constitui realmente um veículo privilegiado de aprendizagem não apenas da arte dramática, mas igualmente dessa outra arte maravilhosa que é a da sociabilização.
Ora, a arte dramática é algo de imprescindível para consolidar a educação, como o reconheceu Leon Chancerel quando salientou a sua capacidade para «munir os seus participantes de um conjunto harmoniosamente distribuído de qualidades intelectuais, corporais e morais capazes de assegurarem um de­senvolvimento espiritual e físico no seio da grande comunidade humana».
Quem não reserva em si resquícios e recordações da infância? E nesses pedaços nostálgicos, quantas vezes não está também a necessidade da metamorfose, co­mo diria Nietzsche que, na infância, nos impelia com prazer para os jogos de faz-de-conta?
A expressão dramática, não sendo apenas um jogo de faz-de-conta, até porque nela entram também valores e exigências que não são somente as da atmosfera da infância, mantém desse jogo a característica essencial, ou seja, a transmuta­ção. E é precisamente aqui que reside uma das pedras angulares do jogo dramá­tico, precisamente aquela que, em termos educativos, melhor pode proporcionar o clima da aprendizagem.
Terá sido mais ou menos assim que terão nascido as primeiras manifestações, na caverna do paleolítico como, mais tarde, no povoado cercado das comunidades neolíticas.




O «jogo dramático», o mimar das situações de perigo, de defesa e de ataque, a invocação das forças poderosas do oculto através do ritual, terão conduzido à uniformização dos costumes da tribo, propiciando a convivialidade e a comunhão no ritual, impelindo o indivíduo a participar no colectivo, harmonizando as emoções, anulando ou exorcizando os medos, reforçando sentimentos de pertença e de partilha através da integração do indivíduo no meio social em que está inserido, reforçando os laços de solidariedade na comunidade. A comunicação no grupo facilita o sentimento de pertença ao mesmo tempo que proporciona a aceitação das diferenças sem perda da identidade de cada um. O homem entende que não sobrevive isolado e os «choques» iniciais cedo são ultrapassados pela via da consciencialização plena da tarefa cometida a cada elemento.
Embora acreditemos que o gesto precedeu a oralidade, parece-nos que o verdadeiro «jogo dramático» só se materializa de forma consciente e organizada quando o gesto surge como complemento intencional da oralidade e da comunicação. A mímica, a pantomima e a dança fariam o resto. E gradualmente se foi operando um desenvolvimento aos mais variados níveis: da expressão oral se passou à expressão corporal.
FERNANDO PEIXOTO