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sexta-feira, fevereiro 01, 2008

O TEATRO NA ANTIGUIDADE (Continuação - 3)




«O tempo é a imagem móvel da eternidade imóvel» - PLATÃO


O teatro primitivo


O problema das origens do teatro é uma questão ainda hoje polé­mica e para a qual se encontram múltiplas explicações, muitas delas no domínio da mera especulação, quer porque o teatro é bem anterior à escrita, quer porque se trata duma arte que usando embora o ser humano como veículo primeiro da emissão­-recepção do momento criador, utiliza como acessórios o instante e o material perecível.
Na fase que antecede a escrita, apenas nos é possível detectar o local ou locais onde ele seria representado, e mesmo neste caso, através da via da tradição oral, também ela um registo falível, mais tarde gravado em documentos escritos e, logo, redigidos em consonância com o que se ouviu e... com o que se imaginou.
Os historiadores do teatro contraíram, porém, uma dívida para com a Antropologia Cultural. É que graças a esta disciplina do conhecimento e aos estudos da Etnografia Comparada é hoje possível, com relativa garantia, perce­bermos como teria surgido o teatro.
Provavelmente teremos de remontar aos rituais do homem «primiti­vo» quando, em redor do fogo, dançando e gesticulando, implorava o favor das di­vindades totémicas para o êxito na caça, para os bons auspícios dos recém-nasc­idos, para uma «vida» tranquila após a morte. E mais tarde, colocando mesmo disfarces, usando máscaras, fazendo mímica, comunicando algo como expressão co­lectiva do clã ou da tribo, individualizando-se no seio da comunidade, «vestindo» uma identidade de circunstância tornava-se, sem o saber, o primeiro actor da história do teatro.



«Era uma vez uma época em que o mundo mergulhara num estado de torpeza moral. As pessoas tinham-se tornado escravas de paixões irracionais. Era preciso encontrar um novo meio (“não apenas edificante mas também agradável aos olhos e aos ouvidos”) capaz de resgatar a humanidade. Por isso Brahma, o Criador, combinou elementos dos quatro Vedas (textos sagrados) para criar um quinto texto, o Veda da representação teatral. Como os deuses não eram capazes de praticar a disciplina do teatro, o novo Veda foi transmitido a Baratha, um ser humano. E Baratha, com a ajuda dos seus cem filhos, bem como de vários dançarinos celestes enviados por Brahma, encenou a primeira peça. Os deuses concorreram entusiasticamente para dotar a nova arte de um máximo de expressividade.
A peça representada por Baratha narrava a história do conflito entre os deuses e celebrava a vitória final destes. Deuses e humanos ficaram encantados com o espectáculo. Mas os demónios, que faziam parte do público, ficaram profundamente chocados. Interromperam, pois, a representação teatral e utilizaram os seus poderes sobrenaturais para paralisar a palavra, os movimentos e a memória dos actores. Em resposta, os deuses atacaram os demónios e mataram alguns deles.
Seguiu-se uma luta violenta. Então, Brahma, o Criador, aproximou-se dos demónios para lhes falar. O Teatro, explicou ele, é a representação do estado dos três mundos. Incorpora os fins éticos da vida — o espiritual, o secular e o sensual —, suas alegrias e tristezas. Não há sabedoria, arte ou emoção que nele não se possa encontrar. (Templo de Baratha na Índia)
Depois pediu a Baratha para o espectáculo prosseguir».

(Excerto do texto que o dramaturgo indiano Girish KARNAD escreveu para o Dia Mundial do Teatro de 27 de Março de 2002).


FERNANDO PEIXOTO

10 comentários:

Anónimo disse...

A origem do teatro pode ser remontada desde as primeiras sociedades primitivas, em que acreditava-se no uso de danças imitativas como propiciadores de poderes sobrenaturais que controlavam todos os fatos necessários à sobrevivência (fertilidade da terra, casa, sucesso nas batalhas etc), ainda possuindo também caráter de exorcização dos maus espíritos. Portanto, o teatro em suas origens possuía um caráter ritualístico.
Com o desenvolvimento do domínio e conhecimento do homem em relação aos fenômenos naturais, o teatro vai deixando suas características ritualistas, dando lugar às características mais educacionais. Ainda num estágio de maior desenvolvimento, o teatro passou a ser o lugar de representação de lendas relacionadas aos deuses e heróis.
teatro hoje carece de um pensamento que acompanhe a rapidíssima evolução física e metafísica das outras artes. O século XX foi magnífico em destruir a inocência da sociedade que cobrava da arte algo divino. É um século que criou linguagens sofisticadas, códigos impenetráveis, discussões formais a respeito do próprio gesto artístico. E questionou tudo, analisou pedaço por pedaço para justificar a necessidade de se ter arte, qualquer arte. E o teatro?
O problema do teatro reside no fato de ter largado essa corrida por uma “verdade”, qualquer verdade. Existem revolucionárias exceções, claro. Mas no que diz respeito à “necessidade” de se ter e fazer teatro, as justificativas que mais ouço são baboseiras do tipo “faço teatro por paixão” ou “quero passar emoção”.
Sempre escuto atrocidades daqueles que insistem em classificar o teatro como arte realista ou não realista, “da palavra”, “da imagem”. É a eterna insistência nos conceitos mortos. Mas nem tudo está perdido. Um novo milênio está aí. Algo haverá de mudar.É preciso MUDAR !!!!!

Anónimo disse...

Parabéns Fernando!
TodoMundoeUmPalco começa a despertar além das fronteiras, um interesse apaixonado e espontâneo graças à motivação provocada pela idéia genial de ir publicando em 'capítulos' a História do Teatro que você soube tão bem transformar em livros de grande valor! Continue, BRAVO!
Meu aplauso, Syl

Anónimo disse...

"...Fazer teatro, não é deixar a vida correr... porque o teatro é a vida..." (palavras suas, Fernando Peixoto em Teatro_para Marcelo Romano com admiração do autor). Então é assim que leio seus comentários, análises e histórias do teatro, que transpiram as suas manifestações da arte e a sua formação cultural. Você gosta e aprecia o teatro e transfere para o seu leitor este sentimento. Continuo aplaudindo este seu trabalho, rico, interessante e altamente construtivo. Parabéns e meu grande abraço

Anónimo disse...

Amigo e colega: obrigado pela oferta que nos tem feito dos teus conhecimentos e inquietações sobre a nossa arte. São reflexões apaixonadas, que têm contribuído permanentemente para o meu crescimento pessoal e profissional. Peço desculpas por não ter agradecido antes, mas, ainda que tarde, quero que saibas do meu respeito e admiração pelo teu trabalho, que mesmo sendo fruto de tantos investimentos e sacrifícios, não te importas de divulgar assim tão generosamente. Bem haja!

Menina Marota disse...

Tinha do Teatro uma visão, que não passava do momento dos palcos e daquilo que o actor me conseguia transmitir.

Vejo agora, como era irreflectido o meu pensamento.

Um grande momento de cultura, que estou a acompanhar com devoção.

Um abraço e aguardo novo desenvolvimento

Branca disse...

Fernando,
Quando comecei a passear por aqui hoje gostei do novo look do blog e dos links com outros endereços de espaços ligados ao teatro.Amanhã volto para continuar e comentar esta parte III da História do Teatro.
Trabalhou muito estes dias e só quero para já dizer-lhe que o blog está muito mais bonito.
Beijinhos

Anónimo disse...

Caro
Fernando

É uma arca de virtudes este Palco.

É de muita utilidade os textos sobre a História do Teatro... continua para bem de todos os AMANTES DE TALMA.
Sobre a tua arca...á um prazer olhar as palavras esculpidas.
Um abraço Companheiro
Alfredo Correia

Branca disse...

Fernando,
Voltei hoje para apreciar este texto, o último que me faltava ler da História do Teatro que tão generosamente põe aqui à disposição dos seus leitores. Muito interessantes as questões sobre as origens do teatro e o excerto que nos deixa do dramaturgo Girish Karnad,lindíssimo pela simbologia que encerra.
Obrigada.
Um abraço.

Anónimo disse...

O Dr. Fernando peixoto continua a partilhar o seu saber com a comunidade , é de louvar em tempos de tão pouca generosidade e de partilha, um verdadeiro aplauso !

RMerino

São disse...

O Teatro tem tanta força que a Igreja Católica o repudiou de todo e achava pecaminosa toda a gente a ele ligada!
Abraço-te!