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terça-feira, abril 22, 2008

Um livro obrigatório para os amantes do Teatro


UMA SETA TRANSPORTADA NA MÃO DA TESTEMUNHA

O Espaço Vazio, de Peter Brook



texto Pedro Manuel (extraído da revista OBSCENA

Voltar ao espaço vazio será regressar à linha de partida. E voltar, aqui, não será tanto regressar atrás no tempo, mas reencontrar o lugar do teatro. E, para Peter Brook será sempre um lugar partilhado, entre quem vê e quem dá a ver.
À primeira vista, a edição portuguesa de O espaço vazio traz o sabor de um reencontro e apresenta-se já recoberta com o estatuto dos clássicos: é publicada quarenta anos após a edição original e inscreve-se no contexto social e teatral dos anos 60. Nesse sentido, peca por tardia e, naturalmente, nestes quarenta anos já foi lida por quantos a quiseram encontrar. No entanto, faz sentido trazer esta obra ao dia, na medida em que é determinante a acessibilidade em português a obras-base sobre artes performativas, assim como Peter Brook é um encenador activo e presente, continuando a moldar o território teatral com a sua experiência e experimentação.
Mas, sobretudo, em O espaço vazio, é o discurso de uma testemunha que importa descobrir. Não só pelo olhar datável, mas pela visão pessoal, atenta, reflectida, culta.
O início do texto é exemplo da forma como orienta as observações com o seu pensamento: “Posso chegar a um espaço vazio qualquer e usá-lo como espaço de cena. Uma pessoa atravessa esse espaço vazio enquanto outra pessoa observa – e nada mais é necessário para que ocorra uma acção teatral.” A partir daqui o texto estrutura-se em quatro blocos temáticos (o Teatro do Aborrecimento Mortal, o Teatro Sagrado, o Teatro Bruto e o Teatro Imediato) e, em cada um, Brook descreve e disserta sobre o teatro: da Royal Shakespeare Company ao Living Theatre, dos happenings a Grotowski, passando por diversos autores, para além das histórias de vudu haitiano ou o excelente exemplo dos escravos do México - ou não tenha Peter Brook contribuído para uma certa “globalização” das artes perfomativas, presente ainda nos seus espectáculos.
A análise de cada caso tem por prumo a eficácia da comunicação teatral. O excerto citado vale como uma axioma nesse sentido e diz bem João Mota (numa entrevista sem perguntas, apresentada como posfácio, mas com valiosas passagens sobre a sua experiência como actor com Peter Brook): “O espaço vazio é mais do que um espaço cénico: é um espaço interior”. Não um regresso ao passado, um momento anterior, mas um lugar interior. Trata-se de pensar a comunicação teatral e, em última análise, a comunicação humana que, no espaço-tempo teatral, se torna um instante de partilha.
Será ainda interessante inscrever O Espaço Vazio junto de outros clássicos teatrais pelo seu carácter vivencial, empírico (Stanislavski, Meyerhold, Brecht, Grotowski). Fala a “voz da experiência”, de quem esteve lá, a voz da testemunha. Como as palavras de João Mota. A literatura sobre teatro está cheia de perspectivas biográficas, de “Memórias” de inúmeros actores, e isso deverse- á, talvez, à humanidade desse acto comunitário. É por isso que o teatro pode acontecer em qualquer parte e, quando acontece, “cria memória”, como diria o encenador João Brites.
A passagem do “Teatro do Aborrecimento Mortal” para os outros tipos de teatro é a passagem de um espaço cheio (de artifícios) para espaços vazios, isto é, interiores. Ainda assim, a testemunha Peter Brook coloca-se de forma ambígua, entre o encenador e o espectador e, em cada caso, observa a comunicação desse interior, o preenchimento desse espaço. Mas é a qualidade do seu testemunho que tornam O espaço vazio um clássico: ao mesmo tempo que data uma época fervilhante, recolhe ao interior, para pensar a memória e narrá-la do seu ponto de vista, montando o seu teatro. Um livro obrigatório na estante dos estudos de teatro mas, sobretudo, um convidado muito especial para receber na sala de estar.

(€15, Orfeu Negro tradução de Rui Lopes)

2 comentários:

Nuno Meireles disse...

Será que este é o primeiro passo para uma mudança editorial no campo da literatura do teatro? Para quando uma tradução de Stanislavski do russo como esta
Trabajo del Actor Sobre si Mismo en el Proceso Creador de la Vivencia, el (Traduccion y Notas de Jorge Saura)em castelhano? Um abraço a este blog que é exactamente o paradigma da produção e divulgação de conhecimento teatral.

cláudia disse...

Boa noite, gostei muito deste blogue... passa pelo meu... dramaemtabuassoltas.blogspot.com...