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domingo, março 22, 2009

Saudades de Fernando Peixoto - Manuel Córrego


PRAGANAS


Lembro-me de que há alguns anos percorri boa parte das livrarias do Porto em demanda não do santo Graal mas de um simples livro de poesia. Apesar do lastro do nome da autora e da saída recente, os meus esforços foram baldados e não encontrei rasto do livro.
A páginas tantas, já cansado de tanta recusa, mas não suportando a ideia de desistir, pedi a um último livreiro o precioso obséquio de mandar vir os “Sonetos”, de Natália Correia –pois desse último fôlego da grande poetisa se tratava. O homem mediu-me de alto abaixo e disparou à queima-roupa, mal-humorado, que não mandava vir livro nenhum. A atitude era de quem, lá para consigo, não percebia por que capricho, entre tantos livros ali expostos, eu havia de querer logo o que ele não tinha.
O tempo passou e hoje as coisas não melhoraram nada. Pelo contrário, quase se pode dizer que as livrarias são cada vez mais o lugar onde não se vendem livros. Ainda há dias António Lobo Antunes, do alto da tribuna que lhe advém de ser um dos mais reputados escritores do mundo, não se fez rogado para dizer que o trabalho de edição de livros não existe no nosso país. Hoje quase se reduz tudo aos best-sellers – que é exactamente o tipo de livro pensado e executado para quem não gosta de ler.

O problema é que, como neste espaço já deixei dito, muitos dos meus amigos, alguns deles bem principais, eu quase os não conheço pessoalmente. Sim através do trato diário com a sua obra. E desses, santa paciência, não posso nem quero desistir. É o caso de Fernando Peixoto, que apenas vi no palco e das leituras interpretadas que Magalhães dos Santos em boa hora se lembrou de organizar – e que todavia conheço de longa data. Professor e investigador, dramaturgo e encenador, Fernando Peixoto tem produzido um importante trabalho de divulgação, enriquecido agora uma por uma obra fundamental como é a sua História do Teatro Europeu.
Para que nos possamos aperceber da importância desta obra, teremos de levar em conta que a última obra existente data dos começos do século vinte (uma outra tentativa foi ensaiada nos meados desse século, mas apenas alguns fascículos viram a luz do dia). Por aqui se vê o prodigioso trabalho de investigação investido pelo autor neste livro.
A História do Teatro Europeu de Fernando avança desde os primórdios do teatro aos nossos dias, detendo-se com visível deleite nos períodos grego e romano, a idade média e a renascença, o barroco e o neoclassicismo, o poderoso século dezoito, o romantismo e o naturalismo, concluindo com um capítulo sobre o caso português e o período contemporâneo.
Mais do que um rol de nomes ou repositório de dramaturgias, esta obra detém-se dedicadamente sobre o empolgante exercício de viver, assim como da epopeia do povo e do seu arauto – o actor de todos os tempos e de todas as épocas. A História do Teatro Europeu é uma obra suculenta e de uma grande modernidade. Estou seguro de que para os leitores em geral será uma fonte de prazer e ensinamento, e para os amantes do teatro uma experiência apaixonante e indispensável.
Lembro, como quem desfolha um festivo ramos de cravos, um poema inserto no belíssimo prefácio de Roberto Merino Mercado, ele que sempre chamou ao homem antigo, ou antiga divindade, o primeiro actor da humanidade, o primeiro que, parafraseando Herberto Hélder:


“Acendeu os pés e as mãos.
Falou devagar.
Se difundiu aos bocados.
Bocado de estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.”

Separata de “O Regional”, S. João da Madeira

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