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segunda-feira, março 23, 2009

27 Março de 2009 - DIA MUNDIAL DO TEATRO



Augusto Boal.


O diretor brasileiro de renome mundial é o autor, este ano, da mensagem do Instituto Internacional do Teatro (IIT) elaborada em comemoração ao Dia Mundial do Teatro, celebrado em 27 de março. Inventor do Teatro do Oprimido e do personagem denominado “espect-ator”, Boal nos convida a subir no palco da vida para criar um mundo onde a dualidade opressores/oprimido será abolida.

MENSAGEM

Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida! Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro! Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro. Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, o palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver, tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.

Em setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro, apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós, em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da bolsa quando fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias. Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre: no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: "Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida". Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida. Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!


Augusto Boal

2 comentários:

Branca disse...

Genial este texto de Augusto Boal, como genial e interventivo é o seu teatro do oprimido. Assisti há meia dúzia de anos ao trabalho final de uma workshop orientada por José Soeiro, onde pela primeira vez tive contacto com esta forma de teatro, que me inebriou e que me fez compreender melhor esta mensagem e exultar com ela.
Que o Teatro nos ajude a trazer esta verdade para o palco da vida!
Um abraço para todos os que mantêm vivo este espaço.
Um abraço especial daqui até ao infinito...para o Mestre Fernando Peixoto.
E agora vou pôr a leitura em dia, porque depois do texto deste nosso querido amigo "As Abelhas e as Vespas na Colmeia do Teatro", que ainda não comentei, não me foi possível esta semana passar por este manacial de informação a não ser de uma forma mais rápida que a costumeira e como não gosto de ficar com nada pela rama, por aqui me vou quedar por mais uns minutos.
Beijos

São disse...

Muito interessante, de facto.
Obrigada pelo aviso.
Também postei um poema de Arrabal em comemoração do Dia do Teatro.
O meu abraço.